Luanda – Desde tenra idade, o artista angolano Maya Cool é conhecido, nas lides culturais, pela sua versatilidade musical. Amante confesso da música, já passou por várias experiências de vida, mas nenhuma terá sido tão dura, como contrair a Covid-19, no ano de 2020.
Por:Venceslau Mateus
O artista é um exemplo vivo de quem sentiu na pele a angústia e o sufoco de viver, por vários dias, com uma doença ainda sem cura, de fácil contágio e altos índices de letalidade.
No âmbito do Dossier Especial 1 Ano de Covid-19, o músico falou à ANGOP sobre os momentos que passou, juntamente com a sua família, depois de ser acometido pela doença.
"O ano 2020 foi, para mim, muito duro. Não é fácil passar por uma doença como esta e sair incólume. Dou graças a Deus por continuar ao lado da minha família", realçou o autor dos temas "Ti paciência", "País Novo", "Peló Peló", "Ancoró", "Anjo" e "Boca Azul".
Ao longo da entrevista, Maya Cool alertou os angolanos para a necessidade de reforçarem a prevenção, tendo em conta as consequências que a Covid-19 provoca nas famílias.
O autor fala, igualmente, da sua carreira e do estado da música angolana, do apoio dos artistas às pessoas carenciadas, durante a pandemia, e dos desafios da governação do Presidente João Lourenço.
Eis a entrevista na íntegra:
ANGOP - O ano de 2020 marca, de forma muito negativa, a vida de todos, face às dificuldades impostas pela pandemia da Covid-19. Enquanto artista e criador, como olha para todo esse cenário mundial?
Maya Cool (MC) - No pessoal e no profissional, devo dizer que foi o mais negativo já vivido até hoje. Além de todas as restrições vividas, desde o princípio de ir e vir, as mortes foram de todo devastadoras. Vimos familiares a perecerem, famílias destruídas, tudo sem um prévio aviso, sem explicação. Então, o cenário de 2020 foi de terror, só que, no caso, de terror real. É um ano para se esquecer, mas que deve servir para todos reflectirem sobre as nossas acções.
ANGOP - Qual foi, até agora, o impacto da Covid-19 na sua carreira?
MC - Começo por dizer que faço parte da estatística geral dos casos positivos da Covid-19, em Angola. Apesar de muita gente não ter tido conhecimento, tive a Covid-19 e fiquei gravemente doente por conta disso. Logo, devo dizer que, de forma directa e pessoal, sofri na pele. Graças a Deus, consegui escapar ileso e, hoje, estou aqui para contar e pedir aos angolanos para redobrarem as acções de prevenção. É para levar a sério. Outrossim, tem a ver com a vida social, falta de trabalho, o impedimento de poder estar com as pessoas que a gente ama.
ANGOP - Do seu ponto de vista, Angola está a dar boa resposta à pandemia?
MC - Dentro da nossa realidade, não. Não somos um país desenvolvido e com condições para respondermos às dificuldades que as populações recônditas e necessitadas precisam. Estamos a ver que não estávamos preparados para enfrentar tal situação. Faltou, de facto, ajuda social. Chegámos à conclusão de que, afinal, se deve investir mais internamente em tudo: saúde, indústria, agricultura, habitação e educação. Mas, do ponto de vista da prevenção e combate à pandemia, o país, no caso concreto, as autoridades, deram uma boa resposta. Conseguiu-se, com muito esforço e sabedoria, gizar uma estratégia para se evitar a propagação em alta escala e, mais do que isto, controlar os casos, evitando o colapso do sector de saúde. As previsões internacionais não eram boas para África, em geral, e para Angola, em particular.
ANGOP - Os artistas estão a dar as melhores respostas, ou podiam fazer mais?
MC - Por mais que os artistas quisessem fazer mais, não lhes seria fácil. Creio que tudo o que estava ao alcance dos artistas, para divulgar, orientar, juntar e ajudar o Executivo na passagem de mensagens orientadoras foi feito. Participámos em lives transmitidos pelos canais televisivos nacionais, que serviram para a recolha de fundos e bens para os mais carenciados, participámos em campanhas. Penso que fizemos o que estava ao nosso alcance para ajudar o Governo a garantir as mínimas condições para todos.
ANGOP – Passou por esta provação e conseguiu recuperar. Em termos de trabalho, conseguiu fazer show desde que a pandemia se instalou em Angola?
MC - Profissionalmente, não foi fácil para nenhum artista. E estou a falar de todos os sectores da vida cultural. E não foi só em Angola. Em todo mundo, em todos os sectores houve dificuldades. Mas, apesar das dificuldades, acabei o ano com a realização de quatro espectáculos. Não é grande coisa, mas, nas actuais condições, é um registo louvável.
ANGOP- Consegue quantificar, em termos numéricos, quanto terá perdido de receitas por causa da pandemia?
MC - Bom, a nossa vida artística não é como uma ciência exacta. É muito relativo o que se ganha em cada mês. Por isso, não consigo quantificar quanto perdi ou quanto poderia ter ganho durante o ano de 2020. Mas posso dizer que perdi bons milhares de Kwanzas.
ANGOP - Que alternativa tem encontrado para continuar a fazer da música uma fonte de ganha-pão, mesmo diante deste cenário adverso mundial?
MC - Acreditar em dias melhores. Sou de um tempo em que a esperança alimentava as nossas almas, os nossos sonhos, o tempo passou e parece que voltamos no tempo. A esperança me faz acordar e trabalhar para que o sonho continue.
ANGOP – Saindo um pouco do tema da Covid-19, onde vai buscar inspiração para o trabalho que apresenta ao público, regularmente?
MC - Onde sempre fui buscar: no olhar de cada angolano, nas histórias das nossas vidas, do amor ao próximo e, claro, na força divina.
ANGOP - Que avaliação faz da sua carreira?
MC - É uma carreira que já leva muitos anos de estrada, com muitas estórias, desilusões e conquistas. Por esta altura, considero ser uma carreira estável.
ANGOP - O que fez ou gostaria de ter feito de forma diferente?
MC - Gostaria de ter gravado muito mais canções.
ANGOP - Como olha para o mercado musical em Angola, hoje?
MC - Descontrolado, atrapalhado, desunido, desestruturado, onde os artistas fazem o que podem e como podem, num mercado onde não há regras. Autêntica lei da selva.
ANGOP - O que falta para a música angolana “tomar de assalto”, de uma vez por todas, o mercado dos PALOP e afirmar-se em África?
MC – Muito! Os músicos angolanos já fizeram muito em relação a isso. Rompemos fronteiras. Agora, é necessário um investimento maior. A música deve ser, de facto, uma indústria e isso deve começar cá em casa. Os resultados serão vistos e notados logo.
ANGOP – Muito se fala sobre a qualidade da música angolana produzida actualmente, havendo quem a considere descartável. Acha justa esta avaliação?
MC - Não podemos esconder essa realidade. Apesar dos esforços dos artistas, é a pura verdade.
ANGOP - Para terminar, como olha para a nova Angola, conduzida por um novo Presidente e quais pensa que devem ser as prioridades do Governo, sobretudo agora que o país vive uma das suas piores crises sociais e económicas?
MC - Penso não ser uma governação fácil para o nosso Presidente. Aliás, não sei se existem governações fáceis. A verdade é que, mesmo dentro das adversidades, está a criar condições para reverter esses momentos cinzentos que Angola e o mundo vivem. Entretanto, no nosso caso pessoal, João Lourenço tem pela frente muitas barreiras para romper, crises para sanar, corações para unir, vidas para guiar. Não será e não é de todo uma tarefa fácil.
ANGOP - Como olha para Angola nos próximos anos, face às medidas de governação impostas actualmente?
MC - Penso sempre em esperança, ela me move e quero passar isso a todos os angolanos. Claro que nada será como antes, mas espero uma Angola um pouco melhor para todos os angolanos.
Perfil
Lucas de Brito Pereira da Silva “Maya Cool” é o nome de um artista que ainda criança “mergulhou” no mundo da música, tendo a Rádio Nacional de Angola (RNA) como ponto de partida e projecção, nos tempos do programa infantil “Piô-Piô”.
Natural de Luanda e possuidor de um carácter firme, o autor cresceu no município do Golfe e no bairro da Terra Nova (Rangel), onde descobriu a sua veia musical, sob influência da sua mãe e de um professor do ensino primário.
Na altura, tímido e de poucos anseios, Maya Cool ingressou no grupo coral da Igreja do Cristo Rei, onde surgiu a ideia de efectuar um teste na RNA, a fim de ingressar no grupo de cantores infantis “Piô-Piô”.
Naquela estação radiofónica, que lhe “abriu as portas” para o mercado angolano, o cantor conviveu com outros artistas renomados, à época, como Ângelo Boss, Mamborrô, Joseca, Lopes Cortez, Mara Max, entre outros.
Em 1988, Maya grava o seu primeiro grande sucesso, intitulado “A Moringa”, adaptado de um tema tradicional, o qual se seguiram outras canções de sucesso, como “Nelson Mandela” e “1 de Junho”.
Segundo ele, o apelido de Maya Cool surgiu numa altura em que o artista interpretou, com brio, uma canção do músico brasileiro “Ti Maya”, que levou os colegas do “Piô-Piô” a tratarem-no como tal.
Em 1991, emigrou para Portugal, onde conheceu e integrou a banda de Eduardo Paim, primeiro como corista, e, posteriormente, como teclista.
Em 1997, gravou o seu primeiro disco “Lágrimas”, que conquistou o “Disco de Ouro”. Nessa altura, foi o “Músico do Ano” no Top Rádio Luanda.
Em 1998, gravou em Portugal e Holanda, o seu segundo CD “Igual a Ti” , no qual participaram Mariza, SSP e Grace Évora.
Em 2007, foi vencedor do “Top dos Mais Queridos”, da RNA.
O seu último trabalho discográfico, intitulado “Certeza”, saiu em 2012, onde se destaca o tema “Ancoró”, mas as suas músicas mais emblemáticas fazem parte dos álbuns mais antigos, como “Igual a ti” e “Lágrimas”.