Luanda - A Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) vive uma situação financeira preocupante, traduzida numa elevadíssima dívida dos seus clientes, avaliada em 200 mil milhões de kwanzas.
Por Amélia de Sousa, jornalista da ANGOP
Em entrevista à ANGOP, o presidente do Conselho de Administração da empresa, Hélder de Jesus, declarou que as instituições públicas se destacam entre o elevado número de devedores.
Para além da dívida acumulada dos clientes, a situação é agravada pelas perdas comerciais, muitas delas fora do controlo da empresa, bem como pela má facturação ou subfacturação.
Independentemente desse quadro ‘negro’, a empresa, segundo o responsável, tem levado energia eléctrica a mais famílias angolanas, através da expansão da rede de distribuição.
Neste contexto, destaca-se a inauguração de infra-estruturas afins em vários municípios do país, que se livraram dos geradores e, consequentemente, dos elevados custos com a aquisição de combustíveis e manutenção.
Noutro plano, foi possível interligar alguns municípios ao sistema principal.
Na entrevista, o gestor fala dos caminhos a seguir para se sair da crise e dos planos em curso para que a energia eléctrica chegue a mais famílias pelo país.
Leia na íntegra:
ANGOP – Com os nossos agradecimentos por nos conceder esta entrevista, gostaríamos que iniciasse por nos falar sobre a situação actual da empresa.
Hélder de Jesus (HJ) - A ENDE não tem boa saúde financeira, por um lado, pelas dívidas acumuladas pelos clientes e, por outro, devido a aspectos internos, que têm a ver com as perdas comerciais, em que muitos clientes escapam do nosso controlo, bem como com a má facturação e/ou subfacturação.
Outro factor que concorre para o mau estado financeiro da empresa são as tarifas baixas, porque o país tem uma das tarifas mais baixas do mundo.
Tudo isto faz que a nossa situação seja difícil, até para atender à situação social dos trabalhadores, mas temos trabalhado, sobretudo, nos aspectos que dependem de nós, como as perdas comerciais. A nossa batalha é melhorar dia-a-dia o processo de arrecadação de receitas.
ANGOP - Ouve-se falar muito de clientes devedores. Qual é o volume de dívida para com a empresa?
HJ - Os clientes da ENDE, em todo o país, devem mais de 200 mil milhões de kwanzas, destacando-se na lista instituições públicas, privadas e particulares (domésticos), sendo que 120 mil milhões de kwanzas são de clientes de Luanda.
Fazem parte das instituições do Estado, que vão acumulando avultadas dívidas, os Governos Províncias. Esses, por causa do consumo com a iluminação pública, nunca fizeram os devidos pagamentos. Em função disso, o acumulado da dívida dessas entidades, actualmente, está avaliado em cerca de dois mil milhões de kwanzas.
Hoje, quase todas as instituições do Estado têm dívidas com a ENDE. Há empresas com dívidas que variam entre 700 milhões a dois mil milhões de kwanzas. Estamos a falar da maior parte dos ministérios, os estádios de futebol, os hospitais, as escolas do ensino geral, entre outras instituições.
Há cerca de dois anos, tivemos uma reunião com a ministra da Educação, durante a qual apresentámos esta situação e, na altura, a titular informou que as escolas não têm orçamento para tal despesa.
Nos hospitais, torna-se difícil cortar o fornecimento. A dívida das unidades hospitalares à ENDE, a nível do país, está acima de mil milhões de kwanzas.
Essas dívidas têm causado transtornos financeiros à empresa.
ANGOP- Qual é o município, particularmente da cidade capital (Luanda), que apresenta maior volume de dívida e com mais dificuldades para cobranças de pagamentos e cortes por não-pagamento?
HJ - O município do Cazenga é o que apresenta o maior número de devedores. Já o de Cacuaco é onde os técnicos têm mais dificuldades em fazer cortes domiciliares, por não-pagamento.
ANGOP - Qual é a estratégia da empresa para recuperar este dinheiro?
HJ - O universo de clientes da empresa, em todo o país, é de um milhão e 900 mil clientes. Temos tido contacto com os principais devedores e vamos tentando negociar.
Somos um prestador de serviço público de um bem essencial, viemos de uma situação de pandemia. Muitas empresas faliram, e não podemos ficar alheios a essa situação.
No período mais crítico da pandemia (2020/2021), os hotéis, os restaurantes e outros estabelecimentos comerciais tinham baixa taxa de ocupação, fazendo com que muitos tivessem dificuldades de honrar com os compromissos com a ENDE e, por esse facto, tivemos de negociar a melhor saída.
A dívida já foi superior à actual. Algumas empresas, que ficaram anos sem pagar, têm realizado pagamentos, não há liquidação total, mas algumas prestações.
ANGOP - Quanto facturou ou arrecadou a empresa em 2022?
HJ - A média mensal de receitas da ENDE ronda os 8.5 mil milhões de kwanzas.
Em relação às perdas comerciais, porque muitos clientes escapam do nosso controlo e outros são mal facturados ou subfacturados, podemos dizer que, em 2021, estiveram fixadas em 22 por cento e, em 2022, em 16.
Houve uma redução, pois temos trabalhado para evitar perdas comerciais.
ANGOP - Quantas ligações foram efectuadas em 2022?
HJ - Em 2022, foram instalados 116 mil 563 locais de consumo, em todo o país.
ANGOP - No âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), fale-nos das acções previstas para a instituição.
HJ - De acordo com o PND, está projectado o aumento da taxa de electrificação do país de 43% para 60%, até 2025.
Temos um atraso, por conta da pandemia, uma vez que grande parte dos projectos ficou paralisada, quer por força da pandemia, quer pela incapacidade de o Estado disponibilizar os recursos financeiros para se dar o seguimento da tarefa. Esse atraso, em grande escala, comprometeu o plano de conclusão de algumas obras.
Não deixámos de fazer, fomos realizando muitas inaugurações, exemplo na Vila de Calulo e Muzende (Cuanza-Sul), em Andulo, Nharea e Chitembo (Bié), no Bailundo (Huambo), entre outras localidades.
Conseguimos interligar alguns municípios ao sistema principal, nomeadamente Calulo, Waco-Cungo, Gabela e Kibala (Cuanza-Sul), Nóqui (Zaire), Ambriz (Bengo), Bailundo (Huambo) e em muitos outros pontos do país.
Esses projectos são ganhos não só para a ENDE, mas também para as populações, bem como para a Sonangol, que tinha uma missão difícil em assegurar os combustíveis para manter as centrais térmicas em vários pontos do país.
Temos outros projectos já aprovados, como o pacote mais integrado que vai contemplar o Mussulo, o Sangano e o Cabo-Ledo.
Nestes projectos, vamos levar a energia eléctrica por cabo submarino.
A empresa tem também outros desafios em fase de aprovação, como o de aumentar a electrificação em Luanda, nos bairros Dangereux, bem como nos municípios de Talatona, Belas (Ramiros, Benfica e Zona Verde), Viana (Estalagem, Jacinto Tchipa e Njinga Cristina), Cacuaco (Kikolo, Belo Monte, Paraíso), entre outros.
Falando ainda de Luanda, temos vários projectos de electrificação que começarão em breve, como no chamado Zango Intermédio e na Muxima. Esses planos vão permitir interligar essas zonas ao sistema principal, visto que, a nível de Luanda, o município da Quiçama é o único que não tem a rede do sistema principal e que funciona ainda com grupos geradores.
ANGOP - Que províncias contam com todos os municípios interligados ao sistema principal?
HJ - As províncias do Zaire e Luanda (à excepção do município da Quiçama) são as únicas que têm todos os municípios interligados ao sistema principal.
Com a conclusão do projecto de electrificação da Muxima, Luanda passará, até 2024, a ter todos os municípios ligados ao sistema principal.
ANGOP - Qual é o maior desafio da ENDE para os próximos anos?
HJ - Um dos grandes desafios é levar as linhas de transporte para o Leste e Sul. Já chegámos ao Centro, temos projectos aprovados para arrancar este ano, no Sul, e, depois, no Leste.
Nesta última região, a energia saiu de Malanje para a Lunda-Sul, sendo o município de Chamuteba, na Lunda-Norte, o primeiro a ser ligado ao sistema, que, depois, será estendido até Saurimo (Lunda-Sul).
Vamos levar as linhas de transporte para a Lunda-Norte e descer para o Moxico. Desse modo, o Leste ficará electrificado, e as capitais provinciais ficarão interligadas ao sistema principal.
Uma vez que já levámos energia ao Centro do país, o Huambo será o ponto de partida para o Sul, um projecto para Matala, com uma linha de transporte, e, outra, do Huambo para o Lubango.
Chegando ao Lubango, ficará ligado ao Namibe, porque hoje temos uma linha que interliga essas duas últimas províncias, apesar de dependerem de centrais térmicas.
Pretendemos chegar ao Lubango, com a expansão para o Cunene, entre outras regiões. São os desafios para os próximos anos, e alguns deles deverão iniciar ainda este ano.
Depois, o resto será expandir a distribuição para permitir o acesso às populações e às indústrias.
Devo realçar que, no Cuanza-Sul, não estamos a electrificar só as residências, mas também as fazendas, permitindo que aqueles que estão a desenvolver agricultura tenham energia para facilitar o seu trabalho.
Esse projecto já foi concluído no município da Gabela, sendo que, em Calulo, está em curso.
ANGOP - A empresa tem implementado o consumo pré-pago. Até que ponto facilita na arrecadação de receitas?
HJ - Só um terço, pelo menos 680 mil (dos um milhão 900 mil clientes), têm o sistema de contagem pré-pago. Provavelmente, esse número possa ser diferente pelas avarias que se registam periodicamente nos aparelhos ou por outras situações.
É uma estratégia da empresa e há uma orientação no sentido de se apostar neste segmento.
Todos os clientes deverão ter o contador pré-pago, porque o Regulamento sobre Fornecimento de Energia Eléctrica diz que todo o cliente tem que ter um contador. Quer dizer que a empresa, ao adoptar essa estratégia de instalação de pré-pago, vai descontinuar o pós-pago.
ANGOP - Nas grandes empresas e fábricas, também serão instalados os contadores pré-pagos? E quanto custa um aparelho?
HJ – Para os clientes de grande dimensão, como refinarias, hospitais, indústrias, etc., é desaconselhável o pré-pago.
Os aparelhos têm mais incidência entre os clientes domésticos e pequenas indústrias.
Um aparelho pré-pago acaba por ser quatro ou cinco vezes mais caro que o um contador pós-pago. O primeiro custa 110 dólares, e o segundo, 20.
ANGOP - Falando da questão dos PT´s privados, particularmente em Luanda, a ENDE tem o controlo e é permitido um cidadão instalar essa estrutura, para vender energia à população?
HJ - A nível do país, temos cerca de quatro mil 50 PT´s privados. Desse número, perto de 200, dispersos por Luanda, comercializam energia.
A Lei do Fornecimento de Electricidade e o próprio regulamento não permitem que um PT privado comercialize energia.
Estes equipamentos só são permitidos quando se justifica a sua montagem para grandes consumos, como, por exemplo, para fins industriais.
Os PT´s privados proliferaram em Luanda, devido à incapacidade de a ENDE expandir a rede em tempo útil.
Todos vivemos em Luanda e sabemos que a cidade capital tem um crescimento galopante e desordenado. Hoje, estamos com dificuldades em ver qual é o limite da capital, pois todos os dias há novos bairros.
O que foi acontecendo é que, com o surgimento desses bairros, algumas pessoas com poder económico foram permitidas, há alguns anos, a instalar PT´s para o consumo próprio, enquanto outras encontram nisso uma fonte de negócio.
O que fazíamos, no princípio, era cortar, porque a lei não permite, mas, depois, deparámo-nos com um problema social, porque o cidadão fez a autoconstrução num bairro onde o Estado não teve capacidade de chegar com rede e o vizinho que tem o PT comercializa.
Na medida em que vamos expandido a rede, que é a nossa responsabilidade, vamos absorvendo estes casos, e verifica-se que hoje o número é reduzido.
Já estamos a controlar mais e a ser muito menos permissíveis.
ANGOP - Sobre a vandalização dos equipamentos da ENDE, qual o número de prejuízo registado pela empresa?
HJ - A Centralidade do Kilamba e o distrito do Camama, na Cidade Universitária, são as zonas onde se registam mais acções de vandalização. Hoje, os malfeitores retiram as cantoneiras, as linhas e as torres.
Sentimos que o vandalismo tem mais incidência na rede de iluminação pública.
Fomos solicitados para trabalhar na recuperação da iluminação pública de algumas artérias da cidade capital, como na Via-Expressa, no sentido Km 25 até Cacuaco, que já estava iluminada nas últimas semanas e hoje está de novo às escuras, porque os postes foram de novo vandalizados.
Serão restaurados também os postes de iluminação das ruas do Pavilhão Multiusos do Kilamba, nalgumas zonas do Morro Bento, entre outras de Luanda.
O programa de recuperação de iluminação pública abrange um grupo de vias seleccionadas, sendo que, na primeira fase, beneficiaram dos trabalhos as ruas 21 de Janeiro, Murtala Mohamed, Avenida Brasil, Comandante Valódia, Pedro de Castro, Revolução de Outubro, Patriota, entre outras.
ANGOP - Para finalizar, quantos trabalhadores tem a ENDE?
HJ - A ENDE tem 75 por cento dos trabalhadores da ex-Empresa Nacional de Electricidade (ENE) e 25 da antiga Empresa de Distribuição de Electricidade (EDEL).
No total, a empresa conta com pelo menos quatro mil e 665 trabalhadores.