Luanda – A embaixadora de Moçambique em Angola, Osvalda Joana, afirmou, em Luanda, que o apoio de militares da SADC e do Rwanda permitiram reduzir o número de mortos no país, entre 2020 e 2021, em cerca de 82 por cento.
(Por Manuel Jerónimo)
Numa entrevista recente à ANGOP, a propósito do 47º aniversário da Independência de Moçambique, a diplomata avançou que os dados apurados até 2021 dão conta de pelo menos três mil mortos e 850 mil deslocados, mas, com as operações de apoio às forças moçambicanas, os números baixaram em cerca de 82 por cento.
Segundo a embaixadora, o sucesso das operações militares tem a ver com as medidas sobre terrorismo, bem-sucedidas, contra o grupo de extremistas, levadas a cabo pelas forças moçambicanas, apoiadas por militares rwandeses e pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Noutra vertente da entrevista, a diplomata fala sobre a necessidade do reforço da cooperação entre os dois países, nas áreas de petróleo e gás, em que Angola tem uma larga experiência, para além da agricultura e do turismo.
“Moçambique e Angola possuem excelentes relações políticas e históricas de amizade, irmandade, solidariedade e cooperação. A cooperação assenta no Acordo Geral assinado entre os dois países, a 5 de Setembro de 1978, em Luanda, cujo teor estipula o intercâmbio bilateral nas áreas sociopolítica, económica e técnico-científica”, frisou.
Eis a íntegra:
ANGOP - Moçambique assinalou, no dia 25 deste mês, mais um aniversário da sua independência. Passados 47 anos desse acontecimento, que ganhos se podem assinalar nos sectores político, económico, social e cultural?
Osvalda Joana (OJ) - A Independência Nacional, em si, é um ganho imensurável para o povo, pois carrega consigo um significado profundo na vida de cada moçambicano e representa o marco da nossa soberania. Hoje, volvidos 47 anos desse acontecimento, o país registou muitos avanços, desde a consolidação da soberania ao exercício do direito democrático a todos os níveis da sociedade. O multipartidarismo e a liberdade de expressão e de escolha que os moçambicanos vivem fazem parte dos ganhos alcançados com a independência.
Na componente socioeconómica, são vários os ganhos: hoje todos os distritos do país estão ligados à rede nacional de energia e, neste momento, continua a estender-se a ligação aos postos administrativos; a rede de telefonia móvel tem cobertura em todas as localidades; a rede sanitária abrange todos os postos administrativos e algumas localidades, estando, neste momento, o Governo moçambicano empenhado na melhoria e no incremento de mais serviços básicos de saúde.
Após a independência, o país tinha apenas uma universidade e algumas escolas secundárias nalgumas cidades ou capitais provinciais, mas hoje temos instituições universitárias em todas as províncias e nalguns distritos. O ensino secundário é frequentado em todos os distritos e alguns postos administrativos.
A rede rodoviária e a componente infra-estrutura também têm registado muitos avanços.
Na componente cultural, hoje verifica-se maior divulgação dos valores culturais do país. Por exemplo, algumas línguas nacionais, as danças e a gastronomia já são ensinadas pelas escolas. São apenas alguns exemplos.
ANGOP - Que factores devem ser levados em conta para se garantir a contínua sustentabilidade e o crescimento económico de Moçambique?
OJ - Moçambique é um dos países de África rico em recursos naturais e dispõe, igualmente, de infra-estruturas básicas e uma legislação que regula o processo de exploração. Entretanto, há necessidade de se formarem os recursos humanos, para capacitá-los sobre as novas descobertas. Precisamos também de investir no processamento da matéria-prima, de modo que passemos a exportar produto acabado e não matéria em bruto. Afigura-se também importante a consolidação da paz e da Unidade Nacional, a tranquilidade e integridade territorial e o fim dos actos terroristas em todo o país.
ANGOP - O terrorismo na província de Cabo Delgado, rica em gás natural, tem afectado a arrecadação de receitas para o país. Este aniversário será comemorado numa altura em que o Presidente Filipe Nyusi disse que os grupos rebeldes que têm aterrorizado a província desde 2017 estão enfraquecidos e em debandada. Que comentário se lhe oferece fazer a propósito?
OJ - Moçambique vive um ambiente de estabilidade política, social e económica, consubstanciado pela prevalência da paz, o que permite o normal funcionamento das instituições, em geral.
A situação de Cabo Delgado está no domínio das FDS. Neste momento, continuam em progresso, com o apoio das Forças Governamentais da SADC e do Rwanda, acções de combate aos terroristas que, de forma esporádica, atacam e saqueiam bens da população nas aldeias daquela região nortenha.
Diferentemente do que se vivenciou há três anos, hoje os terroristas já não detêm o controlo de nenhuma vila da província de Cabo Delgado, graças ao trabalho abnegado das forças conjuntas que estão a operar naquela região.
ANGOP - A população residente na região foi a principal vítima desse conflito. Quais são os números de deslocados, mortos e outros afectados?
OJ - Segundo dados apurados até 2021, o conflito em Cabo Delgado tinha provocado pelo menos três mil mortos e 850 mil deslocados. Contudo, importa referir que o número de mortos começou a reduzir entre 2020 e 2021, em pelo menos 82%.
O sucesso tem a ver com as medidas sobre terrorismo, bem-sucedidas, contra o grupo destes extremistas e sanguinários, levadas a cabo pelas forças moçambicanas, apoiadas pelo Rwanda e pela SADC.
Como já nos referimos, actualmente, os terroristas não têm controlo de nenhuma zona, estando apenas a efectuar ataques esporádicos e depois se colocam em fuga.
ANGOP - Sendo a província de Cabo Delgado rica em gás natural, pode, por favor, dizer-nos quais as perdas provocadas pelo conflito na economia do país?
OJ - A maior perda do país com a situação de Cabo Delgado são as vidas humanas, a tranquilidade nacional, a liberdade de circulação nalgumas zonas do interior dos distritos de Quissanga e Mocimboa da Praia, bem como as infra-estruturas destruídas. É lógico que as acções terroristas retraem o desenvolvimento, por isso a preocupação do Governo, neste momento, é tirar o país do mapa e da lista da incidência dos terroristas.
ANGOP - Já se diz que está fora de hipótese que, em 2023, recomece a actividade petrolífera. Na sua opinião, quando é que isso voltará a acontecer?
OJ - O reinício da actividade petrolífera no país não depende da opinião, seja pessoal, seja colectiva. A actividade petrolífera no país terá reinício assim que todas as condições estiverem criadas, para que ocorra sem impedimentos.
ANGOP - Quais são os principais desafios (político, económico e social) do seu país para os próximos anos, a nível interno e externo?
OJ - A consolidação da paz, a preservação da estabilidade em todo o país, o combate ao terrorismo, o contínuo combate à pobreza e às desigualdades, a Unidade Nacional, o desenvolvimento de infra-estruturas, a implantação de indústrias transformadoras das matérias-primas, o combate à Covid-19 e a mitigação dos seus efeitos são alguns dos desafios internos.
No que diz respeito à pandemia, Moçambique apresenta um ritmo encorajador, com taxas de vacinação muito avançadas.
Na componente externa, são alguns dos nossos desafios a manutenção e a contínua melhoria das relações diplomáticas e de amizade com vários países, a internacionalização das nossas empresas e produtos, bem como a busca e manutenção de mercados que ofereçam uma concorrência leal para o nosso produto.
ANGOP - Como caracteriza o actual estado das relações de cooperação entre Moçambique e Angola? Considera-o satisfatório?
OJ - Moçambique e Angola possuem excelentes relações políticas e históricas de amizade, irmandade, solidariedade e cooperação. A cooperação entre a República de Moçambique e a República de Angola assenta no Acordo Geral de Cooperação assinado entre os dois países, a 5 de Setembro de 1978, em Luanda, cujo teor estipula o intercâmbio bilateral nas áreas sociopolítica, económica e técnico-científica.
Entre Moçambique e Angola, foram assinados Protocolos de Cooperação Bilateral, em vários domínios, com destaque para os sectores da Agricultura, Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Geologia e Minas, Energia, Comunicação Social, Administração Pública, Justiça, Assistência Jurídica, entre outros.
Por outro lado, ambos os países são membros da SADC, estão na Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), falam a mesma língua e são membros da CPLP e dos PALOP.
ANGOP - Que áreas de cooperação gostaria de ver reforçadas e porquê?
OJ - Gostaríamos de ver reforçados os acordos de cooperação nas áreas de petróleo e gás, em que Angola tem larga experiência em relação a Moçambique, e nas de Agricultura e Turismo, onde Moçambique também tem muito a dizer.
ANGOP - Volvidos estes anos de cooperação, que mudanças assinaláveis ocorreram entre os dois países?
OJ - Durante estes anos de independência dos dois países (Moçambique e Angola), podem-se registar melhorias nas relações diplomáticas, com a assinatura de mais acordos de cooperação; uma aproximação, embora ainda tímida, entre as instituições dos dois Estados. Podem-se, também, destacar as negociações entre os Chefes de Estado, que culminaram com o perdão de parte da dívida de Moçambique para com Angola.
ANGOP - Em virtude das mudanças registadas, que desafios devem ser vencidos nos próximos anos?
OJ - Para os próximos anos, esperemos que os dois Governos possam aproximar-se cada vez mais, de modo a permitir que as empresas de ambos os países tirem partidas das oportunidades que cada um pode oferecer ao outro.
ANGOP - Quais considera serem, neste momento, os sectores angolanos que podem atrair investidores moçambicanos?
OJ - Podemos considerar que Moçambique tem várias empresas que mostram interesse em investir em Angola. Algumas das áreas de negócio com potencial em imobiliária, mineração, agricultura, pecuária, serviços financeiros, Serviços IT, investimentos multissectoriais, entre outras.
ANGOP - Que apreciação faz do actual contexto económico internacional, caracterizado pela invasão da Rússia à Ucrânia?
OJ - O actual contexto económico internacional, caracterizado pela invasão da Rússia à Ucrânia, é, ao mesmo tempo, desafiador e de oportunidade. Os países são desafiados a definir e a aprimorar políticas económicas, para fazer face ao aumento dos preços dos produtos, devido ao aumento internacional dos preços do petróleo e do trigo. Mas também constitui oportunidade para os países produtores de petróleo, como é o caso de Angola, para ingressarem em novos mercados, dada a maior procura, devido à redução da produção na Rússia.
ANGOP - Com base na análise feita, fale sobre a posição de Moçambique no contexto económico internacional, sobretudo regional.
QJ - Moçambique faz fronteira com a Tanzânia, Malawi, Zâmbia, Zimbabwe, África do Sul e Eswatini (ex-Swazilândia). A longa costa do Oceano Índico a Este do país, com cerca de dois mil 500 quilómetros, oferece diversas oportunidades, com três portos marítimos profundos, e é dotada de amplas terras aráveis, água, energia, recursos minerais e gás natural recém-descoberto no mar. Está estrategicamente localizada. Quatro dos seis países fronteiriços não têm litoral e dependem de Moçambique como canal para os mercados globais.
Possui fortes laços com a África do Sul, justificados pela importância do seu desenvolvimento económico, político e social para a estabilidade e crescimento da África Austral como um todo.
Moçambique apresenta uma perspectiva de crescimento positivo, apoiada pela recuperação global gradual e pela evolução do Gás Natural Liquefeito e da Agricultura. Espera-se que o crescimento acelere em médio-prazo, com uma média de 5,5% entre 2022 e 2024, reflectindo, principalmente, sobre a produção de gás natural (GNL).
ANGOP - Quais os caminhos a seguir para que Moçambique não sofra os efeitos económicos deste conflito?
OJ - Os efeitos do conflito já se fazem sentir, não só em Moçambique, mas também em muitos outros países. O que o Governo tem feito é implementar políticas conducentes à diminuição da dependência externa em termos de importação de produtos, mas, como se sabe, o país ainda não produz petróleo, cujos derivados são a força motriz para as outras áreas de produção. O país tem uma economia jovem que precisa de muito investimento, e, para isso, o Governo está a trabalhar para criar condições favoráveis, a fim de atrair mais investimentos estrangeiros.