Luanda - O presidente da Fundação Sagrada Esperança, Roberto de Almeida, considerou Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, "um indomável lutador que dedicou toda a sua vida pela conquista da independência do país".
Por Domingos Cambiete, jornalista da ANGOP
Em entrevista exclusiva à ANGOP, a propósito do 102.º (centésimo segundo) aniversário do nascimento do Fundador da Nação, que se assinala a 17 deste mês, Roberto de Almeida fala da visão estratégica de Neto, que assumiu muito cedo a consciência nacionalista e libertou-se das garras do colonialismo, em Lisboa, num processo que contou com o apoio de vários movimentos progressistas.
Ressalta que Agostinho Neto, por sinal seu familiar directo, entregou-se totalmente à luta de libertação nacional, advogando, por isso, a necessidade de se honrar sempre a sua memória e celebrar "todo o esforço que ele despendeu para que hoje Angola fosse um país independente".
Na entrevista concedida à ANGOP, Roberto de Almeida fala da sua estadia na residência da mãe de Agostinho (sua tia), no bairro Operário (actual Centro Cultural Dr. António Agostinho Neto) com a irmã Deolinda Rodrigues e o irmão mais novo, Adão, pai do actual ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República.
O que mais lhe marca em Agostinho Neto é a sua determinação, a sua fé inquebrantável na libertação de Angola e coragem para enfrentar todos os obstáculos, até chegar o seu objectivo principal, a conquista da independência.
O actual presidente do Conselho de Administração da Fundação Sagrada Esperança fala, também, dos projectos em curso nesta instituição de utilidade pública de âmbito nacional que persegue fins de natureza cultural, científica e educativa.
Deu a conhecer que a Fundação procedeu ao lançamento da primeira pedra para a construção do edifício Kinanga, na baixa de Luanda, um projecto habitacional de alto padrão, de 27 andares que, no seu pico de construção prevê gerar cerca de 200 postos de trabalho.
A Fundação Sagrada Esperança, que gere outros activos no país e no exterior, tem ainda em carteira a construção de um hotel no espaço do edifício Hotel Panorama, na Ilha de Luanda, que está abandonado há muitos anos e ocupado por populares.
Segue a entrevista na íntegra:
Antes de mais, agradecemos por ter aceite o pedido desta entrevista, durante a qual pretendemos, entre outros assuntos, abordar a vida e obra de Agostinho Neto, fundador da Nação, e a sua influência no fortalecimento do patriotismo da juventude actual, bem como a sua trajetória política, marcada por momentos significativos na edificação de Angola como país.
ANGOP- Quando falamos de Agostinho Neto, que figura lhe vem à mente?
Roberto de Almeida (RA) - Agradeço por esta entrevista, mas antes quero lembrar que foi precisamente a 10 de Setembro que se completam 45 anos desde o falecimento do Presidente Agostinho Neto, em Moscovo e, durante todo este período, houve sempre a preocupação de se comemorar a data do seu nascimento, o dia 17 de Setembro. Devo lembrar ainda que Agostinho Neto faleceu uma semana antes do seu aniversário natalício, em 1979, quando ia completar 57 anos.
Tenho falado muitas vezes sobre Agostinho Neto e, naturalmente, terei que me repetir algumas dessas vezes, mas a figura dele sobressai sempre quando se fala da luta de libertação de Angola e sobretudo pelo desenvolvimento dessa luta, que durou muitos anos. Antes mesmo de estar empenhado na luta de libertação de Angola, Neto já tinha escritos, fazia poemas e estava já a dar sinais de que era um indomável lutador pela conquista da independência de Angola. Foi o que ele assumiu durante toda a sua vida, desde que conseguiu libertar-se das garras do colonialismo, em Lisboa, num processo de evasão que contou com apoios de vários movimentos progressistas e partidos políticos portugueses.
Agostinho Neto entregou-se totalmente à luta de libertação do nosso país, por isso é que devemos honrar a sua memória e celebrar todo o esforço que ele despendeu para que hoje Angola fosse um país independente.
ANGOP- Quando e em que circunstâncias conheceu Agostinho Neto?
RA - Agostinho Neto era meu familiar directo, a minha mãe era irmã de pai e de mãe do pai de Agostinho Neto. Portanto, a minha mãe era tia de Agostinho Neto. Apesar de ele ter saído em 1947 de Luanda para prosseguir os seus estudos em Lisboa, após a morte do seu pai, em 1946, não tive contacto directo com ele porque na altura, em 1947, eu tinha seis anos de idade e, para mais, não vivia em Luanda, nessa altura estava junto dos meus pais fora de Luanda.
De modo que, por uma circunstância familiar, em 1955 eu, que vivia até então com a minha mãe no bairro Marçal aqui em Luanda, tinha 14 anos e já estava no liceu, vou morar em casa da minha tia, mãe de Agostinho Neto no bairro Operário, ali onde está o Centro Cultural Dr. António Agostinho Neto. Morei ali muitos anos, não só eu como também a minha irmã Deolinda Rodrigues e o meu irmão mais novo Adão de Almeida Júnior, pai do actual ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República. Aí vejo várias fotografias de Agostinho Neto na sala da casa onde vivíam a mãe e os irmãos, o pai já era falecido.
Portanto, o meu primeiro conhecimento de Agostinho Neto foi através de fotografias.
De maneira que o primeiro contacto físico e conhecimento verdadeiro com Agostinho Neto da-se apenas em Dezembro de 1959 quando ele regressa a Angola, terminada a sua formação em Medicina em Lisboa, após o casamento com a esposa, a camarada Maria Eugénia Neto. Foi aí que tive verdadeiramente o primeiro contacto com Agostinho Neto.
ANGOP- Quais os momentos que mais lhe marcaram no primeiro contacto com Agostinho Neto?
RA - Bem, Agostinho Neto chegou e foi morar temporariamente em casa da mãe, onde eu também estava, estava também a minha irmã Deolinda Rodrigues, o José Mendes de Carvalho "Hoji-Ya-Henda", o nosso colega Lázaro António, que veio a falecer nas matas em 1961 e era conhecido por comandante "Lalá" e o Jacob Caetano João "Monstro Imortal".
Portanto, em casa da mãe de Agostinho Nerto era uma espécie de internato, vários estudantes cujos pais não residiam em Luanda iam morar ali. E tudo isso se deu naquele ano de 1959 quando Agostinho Neto regressa a Angola. E o interesse dele naquela altura era saber como decorriam nos nossos estudos, o ambiente no liceu onde estávamos e o relacionamento com os nossos colegas.
Mas a estadia de Agostinho Neto na casa da mãe foi temporária, porque depois ele e a esposa mudaram-se para a casa do irmão mais velho, Pedro Agostinho Neto, que vivia no bairro Cruzeiro, hoje Patrice Lumumba. Agostinho Neto era o segundo filho dos seus pais, não tínhamos assim grandes contactos naquela altura, talvez por causa da diferença de idades que havia entre nós. Mas era uma pessoa mais velha que respeitávamos muito e punhamo-lo num pedestal pelo seu passado e pelo que lhe tinha acontecido.
ANGOP- O que mais lhe marca na figura de Neto como homem e político?
RA- A sua determinação, a sua fé inquebrantável na libertação de Angola, a sua coragem para enfrentar todos os obstáculos, até chegar o seu objectivo principal, a libertação do nosso país.
Agostinho Neto não se furtou à luta, correndo todos os riscos, sofrendo muitas decepções de países africanos, que em princípio deviam apoiar a nossa luta, mas, pelo contrário, alguns deles chegaram mesmo a expulsar o movimento de Libertação que ele liderava, o MPLA. Mas não desistiu e continuou firme em busca do seu objectivo principal.
ANGOP- Que tipo de ensinamentos a actual geração pode tirar das acções de Neto, que podem ser postos ao serviço da valorização do patriotismo e desenvolvimento económico?
RA - Agostinho Neto, para além dos objectivos económicos, tinha um sentido social de progresso social muito grande e foi assim que desejou que a independência do país, a libertação de Angola do colonialismo pudesse significar também uma vida mais feliz para o povo angolano. É esse objectivo que Agostinho Neto traduziu muito bem na palavra de ordem de que "o mais importante é resolver os problemas do povo" é uma palavra de ordem que perdura até hoje e continuamos a procurar resolver, da melhor forma possível, os problemas do povo.
Não temos ainda muito sucesso nesse caminho, mas estamos a dar passos neste sentido, que não estão ainda completos, a caminhada ainda não acabou, por isso é que dissemos que a luta pelo desenvolvimento económico e pelo bem-estar do homem angolano continua.
ANGOP- Na actual conjuntura do país, como é que o legado de Neto pode ser chamado a enfrentar os actuais desafios?
RA - Os desafios do país estendem-se por todos os domínios. Temos desafios de ordem política, económica, de ordem social e o que povo angolano tem que fazer é juntar-se, unir-se, a palavra unidade nacional tem que ser tida em conta para podermos vencer todos esses desafios.
Para resolvemos o problema social do povo angolano, temos que dar passos enormes no que respeita ao desenvolvimento da nossa economia. O desenvolvimento da nossa economia só se pode fazer em situação de paz, em situação de tranquilidade para todo o povo e quando há estes desequilíbrios emocionais e práticos na vida de cada um, é muito difícil chegarmos a uma unidade no seio de todo o povo.
Haverá sempre vozes divergentes, cada um pode ter na sua cabeça um modelo de país independente, não sermos totalmente conscidentes, mas deverá haver a preocupação de que o consenso reine relativamente ao bem-estar do povo, relativamente à gestão criteriosa dos nossos recursos, de maneira a desenvolvermos o país.
ANGOP- Os angolanos têm sido fiéis aos ideais de Nação que Neto sonhou quando proclamou a independência nacional?
RA- Os angolanos, no geral, talvez sim, têm sido fiéis, embora possa haver desvios nas condutas de alguns segmentos da nossa população, alguns talvez estejam menos arreigados a esse legado de Agostinho Neto porque priorizam os seus interesses pessoais em detrimento dos interesses de todo o povo angolano.
ANGOP- Por tudo aquilo que tem sido feito pelo Estado angolano, a memória de Neto tem sido bem honrada e reconhecida?
RA- Tem sido reconhecida sim, temos lembrado nas datas comemorativas o legado de Neto, temos celebrado os seus ensinamentos e, também, do ponto de vista material e físico há monumentos históricos que celebram a memória de Neto, talvez ainda não na devida dimensão, mas temos procurado ensinar às gerações mais novas quem foi Agostinho Neto e o que ele produziu para Angola.
ANGOP- O que o Senhor acha relevante sobre a obra e vida de Agostinho Neto que gostaria de acrescentar?
RA- Para além da sua determinação a que já me referi, em busca, digamos assim, do "leitmotive” da sua vida", a conquista da independência de Angola, Agostinho Neto teve também uma grande acção humanitária enquanto preso em Cabo Verde. Na sua qualidade de médico, embora desterrado na Ilha de Santo Antão, prestou assistência à populaçao cabo-verdiana. Para quem conhece Santo Antão, em Cabo Verde, há lá um hospital com o seu nome.
Santo Antão é uma ilha muito montanhosa com um relevo enorme e há uma imagem de Agostinho Neto a andar de burro a subir aquelas montanhas para ir prestar assistência gratuita às populações em Cabo Verde. Por isso é que foi dado o nome de Agostinho Neto a esse hospital em Santo Antão. Aqueles que efectivamente tiveram contacto com Agostinho Neto e receberam a sua ajuda já não existem, mas os seus descendentes (filhos e netos) conhecem bem a história de quem foi Agostinho Neto e o trabalho que ele desenvolveu na Ilha de Santo Antão.
ANGOP- Actualmente dirige a Fundação Sagrada Esperança, uma instituição de utilidade pública que persegue fins de natureza cultural, científica e educativa. Em que contexto surgiu e quem foram os seus mentores?
RA - A Fundação foi criada em 1998, portanto, fez 26 anos, este ano, no mês de julho. E como referiu e bem a Fundação tem objectivos de ordem educativa, científica e cultural, mas também tem uma parte do seu trabalho dedicado à solidariedade social, não ainda na proporção devida, porque esta não é uma instituição com fins lucrativos, tem algumas iniciativas que vão lhe permitindo dar alguma assistência às populações mais desfavorecidas. Temos também procurado ter capacidade de uma certa estabilidade financeira através da obtenção de alguns rendimentos de activos que pertencem à fundação.
A Fundação Sagrada Esperança está neste momento a gerir o Centro de Conferências de Belas e o Complexo Multiuso de Belas, em Luanda, de maneira a procurar sobreviver com a gestão de recursos que esses activos podem proporcionar.
Temos procurado estender a nossa actividade também fora de Luanda e no estrangeiro onde temos sob nossa responsabilidade a gestão de activos como a antiga sede do MPLA no Congo Brazaville e algumas outras habitações que lá existem. Para além disso, temos alguns activos em Dar-es-salaam na Tanzânia, que também estão sob a responsabilidade da Fundação Sagrada Esperança, embora haja algumas questões a tratar de fórum judicial naquele país.
ANGOP- A Fundação lançou a primeira pedra para a construção de um edifício habitacional. Quem serão os beneficiários desta projecto habitacional?
RA- O projecto a que se está a referir situa-se aqui mesmo no terreno ao lado do edifício Kilamba e chama-se edifício Kinanga, é um projecto de alto padrão que ambicionamos vir a concretizar, que vai proporcionar alguns empregos, mas o grosso da sua realização, para além da nossa difícil capacidade financeira, está entregue a uma empresa chinesa que está a trabalhar nesse projecto, de 27 andares.
Também temos em carteira a construção de um hotel no espaço do Hotel Panorama, na Ilha de Luanda, é um edifício que está abandonado há muitos anos e ocupado por diversos populares que fizeram alterações internamente nas paredes, tendo ficado extremamente
danificado na sua estrutura inicial, de maneira que ali também está a ser desenvolvido trabalho nessa altura, exactamente para podermos fazer uma obra digna, um trabalho novo praticamente em que vamos aproveitar algumas estruturas que dão alguma confiança em matéria de solidez, porque aquele é um edifício construído há bastante tempo.
Estamos confiantes que vamos realmente conseguir vencer os obstáculos que se levantam neste momento. Há, no entanto, partes daquele edifício, sobretudo aspectos artísticos e decorativos que marcam um momento único na arquitectura colonial feita em Angola que interessa preservar.
Perfil
Há 83 anos do dia 5 de Fevereiro de 1941 nascia na aldeia de Caxicane, (Icolo e Bengo), Roberto António Victor Francisco de Almeida, cuja história familiar, profissional e política é longa, mas bastante interessante.
Figura proeminente da política e sociedade angolana, Roberto de Almeida desempenhou importantes cargos políticos e governamentais nos últimos 30 anos. Chefiou ministérios, presidiu à Assembleia Nacional (1996 a 2008) e foi vice-presidente do MPLA (2008 a 2016).
É Também conhecido pelo pseudónimo literário Jofre Rocha, um escritor consagrado e membro fundador da União dos Escritores Angolanos (UEA), onde ocupou, de 1986 a 1997, a posição de presidente da sua Assembleia Geral, e um dos fundadores da Academia de Letras. Foi pela pátria angolana, sem hesitações, que dedicou a maior parte da sua vida.
Actualmente à frente dos destinos da Fundação Sagrada Esperança, Roberto de Almeida tem a sua vida e momentos entranhados nos musseques de Luanda, que exalta na memória ou que consagra na sua veia de escritor.
Uma história de vida repleta de emoções
Por o seu pai ser pastor e professor da igreja metodista, era frequentemente transferido para várias localidades.
Do seu Caxicane de infância muito pouco tem a recordar porque saiu de lá muito pequeno. O seu pai seria transferido para a Barra do Dande, numa localidade chamada Musseque Kabele, de modo que as suas primeiras grandes recordações da infância são deste Musseque Kabele, de onde saiu com aproximadamente sete anos para se fixar em Luanda.
Aprendeu a ler e a escrever já no Musseque Kabele, na escolinha da igreja dirigida pelo pai. Depois da Barra do Dande, em 1948, o pai foi transferido para a missão de Kitongola, em Caxito, onde também íam passar as férias naquela povoação "que, para nós, era um paraíso, havia muitas árvores de fruta, mangueiras, cajueirios, goiabeiras e mamoeiros, aquilo não pertencia a ninguém, era da natureza".
Em kitongola, conta que o pai comprou uma bicicleta de marca BSA, a que chamavam "basta saber andar", ou seja, "traduziamos a marca da bicicleta por "basta saber andar porque foi aí que aprendemos a andar de bicicleta".
Posteriormente o pai foi transferido para a vila de Salazar (actual Ndalatando), onde concluiu a 3ª classe, Camabatela (Conselho de Ambaca) e depois para o Negage. Em todas essas comissões de serviço, Roberto de Almeida e os irmãos iam sempre passar as férias onde quer que o pai estivesse.
Em Camabatela, na altura com 13 anos, em companhia de um primo, quando verificavam cartazes de cinema, no Clube Desportivo, viveu um momento inusitado que o marca, até hoje: foi esbofeteado de forma violenta por um aspirante da administração de nome Celestino Laranjo, que quase perdeu os sentidos, por não ter tirado o chapéu da cabeça. O caso foi parar à administração onde o administrador era um senhor mestiço da família Soua e Andrade, por sinal conhecido do seu pai.
Na companhia do pai, Roberto de Almeida foi apresentar-se à administração com a farda e o chapéu da mocidade portuguesa. A mocidade portuguesa era uma oganização de estudantes formada pela União Nacional (partido político do regime português) de Oliveira Salazar, destinada a inculcar nos estudantes o sentimento da portugalidade. Roberto de Almeida e outros colegas que frequentavam o liceu na altura eram obrigados a pertencer à mocidade portuguesa.
Chegada a Luanda
Em Luanda, Roberto de Almeida começou a estudar numa escola evangélica de madeira que ficava entre o Hotel Trópico e o São José de Cluny. A construção desta escola, conta, tinha alguns detalhes arquitectónicos que a semelhavam ao Palácio de Ferro.
"Foi aí que fiz a minha formação primária, na altura vivia no musseque Marçal, junto ao campo do Moreira, por detrás da loja da Dona Rosa, conhecida também por "Dona Rosa do quimbombo" porque vendia essa bebida", lembra.
Recorda que foi a partir de certa altura que apareceu no bairro o comerciante António Moreira, que baptiza o campo de futebol e a lagoa, em consequência da proximidade da sua loja.
O velho Moreira, um dos mais conhecidos comerciantes do Marçal à época, tinha um filho que também estudava no Liceu. Ao levar o filho à escola, dava boleia aos colegas do filho que moravam ali no Marçal e Roberto de Almeida era um dos beneficiados.
Enfatiza que, até hoje, mantém ligação com o seu colega do liceu, que actualmente vive em Lisboa.
No "Campo do Moreira", no Marçal, lembra que passaram por ali grandes craques, que chegaram mesmo a seguir a carreira futebolística.
"Eu vi ali jogos em que actuaram grandes nomes do nosso futebol como Vasconcelos, Asdrúbal, Francisco Romão e o Charico, que era um grande guarda-redes, fazia cada voo! Que a gente dizia que ele era um pouco maluco", recorda.
Em 1955, na companhia da irmã mais velha, Deolinda Rodrigues, se muda para o bairro Operário na casa da tia (mãe de Agostinho Neto). A mãe, com quem vivíam no Marçal, teve necessidade de ir morar com o pai, que, na altura, estava em Ndalatando, a cumprir missão como pastor.
Saiu do bairro Operário quando a sua irmã Deolinda Rodiguee foi para Portugal, em Fevereiro de 1959 e foi morar nas imediações da antiga (LAL) Luz e Água de Luanda. A mãe também era professora, chegou a dar aulas durante algum tempo onde está actualmente a igreja de Bethel, na Avenida de Brasil, arredores da cidadela.
Essa vivência nos musseques de Luanda nutriu o escritor, que a radiografou em "Estórias dos Musseques”, sob pseudónimo de Jofre Rocha.
Início da acção política
Em 1947 depois da Índia se tornar independente sob o nome de União Indiana, o 1.º Ministro Nehru mandou avançar as tropas para libertar dois enclaves (Dadrá e Nagar Aveli) que ainda estavam sob domínio português, tendo a acção gerado protextos no seio dos portugueses em Angola, obrigando os angolanos a participar também desses protextos.
"Conversávamos entre nós e nos questionávamos o que a gente tinha a ver com aquilo que se passava na Índia. Foi assim que começámos a verificar que aquela situação de que os indianos se libertaram, viviam, era a mesma que vivíamos também em Angola e, partir dali, criámos a consciência nacionalista.
Prisão em Lisboa e o regresso a Luanda
Em 1961 muitos jovens ansiavam sair de Angola para escapar o serviço militar obrigatório, dado que a guerra independentista já tinha rebentado e muitos jovens angolanos não queriam servir nas forças coloniais portuguesas.
É assim que, aos 20 anos, Roberto de Almeida, João Filipe Martins (foi ministro da Informação e reitor da Universidade Agostinho Neto) e o primo José Agostinho Neto, irmão do Presidente Neto, embarcam no avião da TAP, que fazia os voos Luanda-Lisboa, com escala na Nigéria, em Kanu, uma cidade do Norte da Nigéria.
Lembra que a ideia era tentar a fuga a partir de Kanu. Essa fuga foi planificada com a ajuda de um missionário americano de nome Ralph Deodge, que vinha a Angola muitas vezes. Mas que esse missionário, que não poderia interferir directamente no assunto, encarregou a um estudante angolano em Paris a tarefa de avisar atempadamente as autoridades nigerianas sobre este grupo de três estudantes angolanos que passaria por Nkanu e que precisaria de acolhimento, só que esse estudante angolano esqueceu de avisar às autoridades e os homens ficaram sem saber o que fazer.
Conta que naquele tempo os aviões tinham sempre gente da PIDE a acompanhar todo o voo, foram identificados ao se dirigirem para a sala de acolhimento.
Desprovidos de protecção, são formalmente presos em Portugal, de Junho a Outubro de 1961, na cadeia de Aljube e depois recambiados e escoltados para a cadeia de São Paulo, em Luanda.
"Na cadeia de Aljube bebíamos água do autoclismo, carregávamos o autoclismo e punhamos lá a caneca de esmalte para beber água, foram momentos difíceisque passamos naquele local", enfatiza.
A prisão de Aljube, em Lisboa, tornou-se no Museu da Resistência. O interlocutor lança mesmo um repto aos jornalistas angolanos para ir visitar o local, onde se encontram os processos, imagens e as fotografias não só dos presos da PIDE em Angola como de Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Há lá inclusive uma réplica de uma cela da cadeia da PIDE.
Processo dos 50
Em 1959 começam as prisões que deram origem ao processo dos 50. Roberto de Almeida conta um episódio que envolveu o pai de Elísio de Figueiredo, de nome Joaquim de Figueiredo, que falecera na cadeia antes de ser deportado para Cabo Verde. Fizeram a missa de corpo presente na igreja, mas os elementos da PIDE também apareceram na igreja e abriram a urna para certificar-se efectivamente da identidade do senhor, gerando uma certa confusão.
Em Junho de 1963 Roberto de Almeida foi novamente preso. A PIDE considerou-o subversivo, por ter feito circular panfletos que alimentavam a luta pela independência. Com Roberto de Almeida estiveram também presos Hermínio Escórcio, Lopo do Nascimento, Couto Cabral, Aires de Almeida Santos (autor do poema meu amor da rua 11), Joaquim Enriques Monteiro, José Vieira Lopes, Manuel João Afonso Neto, Mário Torres, João Enriques Garcia "Cabelo Branco", Sebastião Lavrador (antigo governador do BNA), entre outros.
Foi solto em junho de 1968 e encontra os pais ainda a morar no bairro Marçal, antigo quilómetro7. Porém, passados apenas três meses de liberdade, volta a viver um revés que lhe marcaria para sempre: os seus pais são presos pela PIDE. "Estava com a cabeça perdida e, ainda por cima, tinha que me apresentar de 15 em 15 dias na PIDE, para provar que estava em Luanda e não tinha fugido, foram momentos difíceis, lembra com bastante desgosto.
Três dias depois da mãe falecer, em janeiro de 1975, em consequência desta prisão, a esposa de Roberto de Almeida dá à luz uma menina, de nome Djamila de Almeida, actual deputada da Assembleia Nacional, pelo grupo Parlamentar do MPLA.
Roberto de Almeida faz questão de sublinhar que a independência de Angola custou o sacrifício a muia gente, "muitos morreram, é preciso defender a integridade territorial a todo custo, porque não há nada melhor que a liberdade".DC/ART/ADR