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Academia de letras reivindica definição do padrão linguístico

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  • Luanda • Domingo, 06 Outubro de 2024 | 10h02
Paulo de Carvalho, presidente da Academia Angolana de Letras
Paulo de Carvalho, presidente da Academia Angolana de Letras
Manzambe André - ANGOP

Luanda – A Academia Angolana de Letras (AAL) reivindica, entre outros pontos, o controlo da definição do padrão linguístico da variante angolana do português, como acontece com as congéneres de outros países.

Por Stella Silveira, jornalista da ANGOP

Em entrevista exclusiva, à ANGOP, o presidente da AAL, Paulo de Carvalho, recorda que foi a Academia que, na sua primeira declaração produzida aquando da realização de uma mesa redonda, se posicionou publicamente sobre a “não ratificação do Acordo Ortógrafico”.

Lembra que, apesar do processo ter começado mal, com o Brasil e Portugal a determinarem o que fazer, sem terem em conta as especificidades dos países africanos e de Timor Leste, hoje a situação é diferente, o alfabeto aumentou de 23 para 26 letras, com a introdução do “K”, “Y” e “W”.

Entre outros assuntos, destaca a necessidade da academia ocupar o seu lugar na tomada de decisões que envolvam projectos literários como a definição do cânone literário, do cânone dos estudos sociais e do Plano Nacional de Leitura.

Sobre os feitos da Academia, exalta as obras publicadas e as 174 conferências internacionais realizadas, com a participação de mais de 20 países, sobre temáticas como literatura, estudos sociais, linguística e cultura, além de assuntos do dia-a-dia como as liberdades e as lideranças africanas.

Eis a integra da entrevista:

ANGOP – A Academia Angolana de Letras acaba de perder o seu mais insigne membro, o número 18, Dom Alexandre Cardeal do Nascimento. Se tão ilustre figura ocupava o assento 18, quem ocupa a cadeira número um da Academia?

Paulo de Carvalho (PC) – O número um da nossa academia é o patrono da academia, o Dr. António Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola, fizemo-lo não nessa qualidade, mas na qualidade de homem de letras, nós decidimos outorgar-lhe a cadeira número um.

ANGOP – Quais os critérios de atribuição dos assentos na Academia?

PC – Tirando o membro número um, que é o patrono; (...) o número dois é Pepetela, o escritor angolano mais galardoado; o número três é Boaventura Cardoso, que foi o primeiro presidente da Academia Angolana de Letras; e a partir daí a posição dos outros é estabelecida por sorteio, e calhou a Dom Alexandre do Nascimento o número 18, eu tenho o 17, portanto sentámo-nos lado a lado.

Até a última Assembleia Geral tínhamos 43 membros, mas depois da Assembleia passamos a 50 membros. Vamos, se calhar, admitir mais alguns.

ANGOP – Quem pode ser membro da Academia Angolana de Letras?

PC – A Academia Angolana de Letras, como já percebeu, é uma instituição que foi proclamada com 43 membros, agora tem 50. É uma instituição bastante selectiva, não é qualquer pessoa que pode integrar a academia. Para integrar a academia precisa de reunir alguns requisitos. Os três requisitos são: ter obra publicada, deve ter vários livros, não importa o número, a pessoa pode candidatar-se com dois livros, com três, com dez, enfim, o que importa é a qualidade da obra (...) que é avaliada pelos membros; o outro critério é essa obra ser estudada em universidades, no país e no estrangeiro; o terceiro é ter prémios literários. As áreas de actuação da nossa academia são a literatura e estudos sociais, incluindo a linguística.

ANGOP – Se os números são limitados, portanto, só entram novos membros se há uma vacatura?

PC – Absolutamente! O que pode ser por morte, doença, ou se alguém resignar, coisa rara de acontecer, mas pode acontecer; já tivemos o caso de alguém que resignou.

ANGOP – Podemos saber quem?

PC – Sim, no caso, o escritor José Luís Mendonça.

ANGOP – Qual é a missão da academia?

PC – A Academia Angolana de Letras tem uma série de objectivos. O objectivo principal é o estudo da literatura e das letras angolanas em geral, mas temos outros, como, designadamente, a divulgação seja da literatura, seja dos estudos sociais, mas, também, o estudo linguístico das línguas nacionais, incluindo a língua portuguesa, porque nós consideramos que o português, que é língua de Angola há bastante tempo, neste momento é a única língua oficial; nós somos por mais de uma língua oficial; A academia pensa que as línguas nacionais deviam, várias delas, ser línguas oficiais.

ANGOP – E o que a academia está a fazer para mudar essa situação?

PC – Em primeiro lugar, nós já apresentámos a questão e algumas propostas (...) uma delas tem a ver com a divisão do país em regiões linguísticas. Em cada região deve haver duas ou três línguas oficiais e não apenas o português, mas uma ou duas línguas nacionais, dependendo da importância de cada língua nessa mesma região.

ANGOP – Isso implicaria levar para o sistema nacional de ensino as nossas línguas nacionais?

PC – Absolutamente. Um dos princípios da sociolinguística, a sociologia da linguagem, é que a criança deve ter acesso à instrução na sua língua materna; aquela língua primeira; a língua de acesso à linguagem. Infelizmente, no nosso país, nós temos, à partida, algumas crianças prejudicadas porque não têm o português como sua língua materna, portanto, estas crianças deveriam ter acesso à instrução na língua materna, (...) nós temos, pelo menos, sete a dez línguas que poderiam ou deveriam ser consideradas regionalmente como línguas oficiais.

ANGOP – Este é um projecto a longo prazo... .

PC – Precisamente, e estamos a chegar aos 50 anos da proclamação da independência e quase nada tem sido feito nessa direcção, nesse sentido.

ANGOP – De modo geral, o que é que o cidadão comum pode esperar da Academia de Letras?

PC – O cidadão pode esperar que exerçamos alguma influência sobre o Estado. As academias de Letras são parceiros dos estados. Aqui isso não é muito considerado, nós não somos tidos nem achados para muita coisa, mas em qualquer parte do mundo, por exemplo, vou citar casos mais evidentes, um mais próximo, de Portugal. Quem define o padrão linguístico da língua portuguesa em Portugal é a secção de letras da Academia das Ciências de Lisboa, já que eles não têm uma academia de letras. No caso da Angola, quem deveria definir o padrão linguístico da variante angolana do português, deveria ser a Academia Angolana de Letras, mas isso exige o quê? Exige que ocorra o que ocorre em outros países. O Estado financia as academias de letras.

ANGOP – Para isso tinham que ser auto-suficientes...

PC – Infelizmente nós funcionamos graças ao apoio de algumas instituições, muito poucas. No meu mandato, que agora termina, recebemos apoio fundamentalmente do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, na altura, a partir do momento em que voltou a ser Ministério da Cultura apenas, deixou de nos apoiar, os recursos diminuíram para o próprio ministério. Mas no mandato anterior, no primeiro mandato, cujo presidente foi Boaventura Cardoso, há registos de apoios da Fundação Brilhante, ligada à Endiama; da Sociedade Mineira do Chitotolo e da Sociedade Mineira do Lulo.

Nessa altura foi organizada uma mesa redonda sobre o acordo linguístico; já que as academias de letras produzem declarações sobre os vários assuntos, a primeira declaração que produzimos foi sobre a “não ratificação do Acordo Ortógrafico”, achamos que é preciso rectificar primeiro o acordo, é preciso considerar as nossas especificidades, as especificidades dos países africanos e de Timor Leste.

ANGOP – Afinal, qual tem sido “o grande empecilho” para a efectivação do plano? O que impede que Angola assine o Acordo Ortográfico?

PC – Esse desiderato não tem sido cumprido porque, infelizmente, começou-se mal. Começou-se mal com o Brasil e Portugal a determinarem o que fazer. E nós temos, por exemplo, o tupi-guarani, uma língua nacional do Brasil, consignada no acordo, mas as línguas africanas não estão consideradas. Por exemplo, a palavra “Congo” escreve-se como K. Ora, no acordo de 1990 o K (capa) não entrava, simplesmente. Como é isso possível?

ANGOP – Como é que estão essas negociações?

PC – Bom, já houve algumas cedências. O K já entrou, o Y já entrou. Vamos olhar para aquilo que é a tradição. De repente, o Estado angolano determinou que Cuando Cubango se deve escrever com C. Tudo bem, o Estado tem essa prerrogativa. Mas atenção! Há elementos ligados à memória social, à memória colectiva, elementos ligados à tradição. O KK. KK agora virou CC, para nós CC é Comité Central; quando a pessoa diz vou ao KK, já se sabe o que é, quer dizer, não interessa, de repente deixa de valer; não só a memória social não é considerada, mas as associações ligadas à essa matéria, como é o caso da academia de letras, não são, simplesmente, consideradas.

A população pode esperar que cumpramos o nosso papel, mas o nosso papel é de aconselhar. Não tomamos decisões, salvo se, nos for dada essa prerrogativa, como já disse em relação à variante angolana da língua portuguesa, que deve ser a Academia Angolana de Letras a definir; a questão ligada ao cânone literário (lista de todas as obras clássicas), ao cânone dos estudos sociais.

ANGOP – A academia tem sido consultada para trabalhos como os grandes projectos literários?

PC – Infelizmente não, infelizmente não.

O Ministério da Educação estabeleceu um Plano Nacional de Leitura e, simplesmente, não fomos ouvidos. Notamos uma série de lacunas. Há autores que são ícones da literatura angolana que, simplesmente, não estão considerados. Que critérios foram utilizados? Não sabemos.

ANGOP – A academia não tem autonomia para se fazer ouvir num processo como esse?

PC – Deveriamos ter. Mas, escrevemos e estamos à espera da reacção do Ministério da Educação, se não formos ouvidos, vamos fazer pronunciamentos públicos, porque, de facto, não se admite que escritores como Uanhenga Xitu e outros, não sejam considerados.

ANGOP – Quem faz a selecção, dos escritores que compõem o cânone literário?

PC – Normalmente, para evitar problemas deste género, os estados pedem que seja a academia de letras do país a ocupar-se disso, porque na academia estão os mais eminentes escritores, os mais eminentes literários, os mais eminentes homens de letras, e em princípio é considerada a nata da intelectualidade, e ... enfim é dada uma palavra a essas pessoas, a essas associações. Em Angola isso não ocorre.

ANGOP – Como são as relações da academia com os ministérios da Educação e do Ensino Superior?

PC – Relacionamo-nos com três ministérios, o Ministério da Cultura, em primeiro lugar, depois os ministérios da Educação e do Ensino Superior. As relações são boas, sobretudo com o Ministério da Cultura.

ANGOP – Há obrigatoriedade do depósito de obras na Biblioteca Nacional. Para a academia de letras, a Lei do Depósito Legal também é um imperativo?

PC – Não! A academia de letras não está considerada e não tem que estar. De facto, a Biblioteca Nacional tem a sua responsabilidade.

ANGOP – A Academia não tem uma biblioteca?

PC – Não! Nós nem temos sede sequer. O que acontece nos outros países?

A academia é proclamada, pega-se num monumento, para atribuir uma sede imponente à sua academia de letras; É o que acontece em todo o mundo: Aqui, quer dizer, existimos há, exactamente, 8 anos e não temos sede.

ANGOP – Onde funciona a academia?

PC – A academia funciona num anexo emprestado e assumimos o apoio da Fundação Sagrada Esperança. Mas, finalmente este ano o Ministério da Cultura atribui-nos instalações, não se trata de algo imponente, mas já temos instalações. Estamos no processo de legalização.

O processo corre os seus trâmites ao nível do Ministério das Finanças para o registo em nome da academia e depois disso, vamos tomar posse dessas instalações. Vamos precisar de apoio governamental para as obras e para o apetrechamento.

Há duas coisas que temos de ter, necessariamente, uma sala de conferências, com as cadeiras numeradas de 1 a 50. Poderá haver outras cadeiras, obviamente, sem numeração para outras pessoas. Mas, também, uma biblioteca.

ANGOP – Neste momento a academia tem algum património acumulando para a constituição da biblioteca?

PC – Temos alguns livros, algumas ofertas. Quanto a livros nossos, infelizmente, só temos um livro publicado, intitulado “Letras sobre as Línguas de Angola”. Esse livro demorou três anos a ser publicado, com o apoio da Fundação Bornito de Sousa; o segundo livro está no prelo, está na tipografia, “Letras sobre Agostinho Neto” e um terceiro que está a ser preparado. Pretendemos publicar livros de um só autor, antologias e dicionários em várias línguas.

ANGOP – A academia patrocina ou tem algum incentivo para novos escritores ou escritores consagrados?

PC – A academia não existe, propriamente, para apoiar jovens autores, mas essa possibilidade existe. Para isso, precisamos de recursos e os poucos de que vamos dispondo têm sido para realizarmos algumas actividades, nomeadamente as conferências semanais e algumas romagens e homenagens a homens de letras já falecidos.

ANGOP – Conduziu, nos últimos 4 anos, os destinos da academia. Podemos fazer um rescaldo desse mandato?

PC – Foram quatro anos de algum trabalho e de algum sofrimento, tenho que assumir, porque fomos poucas pessoas a trabalhar.

ANGOP – Com uma pandemia pelo meio.

PC – É verdade, é verdade. A pandemia prejudicou-nos logo, atrasou-nos o arranque, mas adaptámo-nos rapidamente. A pandemia veio dificultar-nos a acção por um lado, mas por outro veio facilitar-nos.

Realizamos 174 conferências internacionais, com a participação de pessoas de mais de 20 países. E, portanto, a academia, graças à pandemia, temos que assumir, é hoje conhecida internacionalmente.

ANGOP – Os conferencistas são sempre pessoas ligadas à academia?

PC – Não, não, de maneira nenhuma. São pessoas de fora da academia, são angolanos e de outras nacionalidades. Não sei quantas nacionalidades, mas certamente mais de vinte.

ANGOP – Que temas guiam as vossas conferências?

PC – São temas vários. A literatura, os estudos sociais, a linguística e a cultura, são as quatro temáticas de base. Mas isso não significa que não abordamos também assuntos do dia-a-dia. Já abordamos assuntos relacionados com as liberdades. As liberdades em Angola, em África e a questão das lideranças africanas. Graça Machel, (viúva de Samora Machel e de Nelson Mandela), foi convidada e falou sobre essa questão.

Já trouxemos alguns antigos chefes de Estado. Graças a isso, a academia é já uma referência no mundo académico, é também positivo o facto de tratarmos, não apenas, da vida e obra dos que estão em vida, mas também dos que já partiram.

ANGOP – Têm acordos com congéneres de outros países?

PC – No início deste mandato pretendíamos firmar um acordo com a Academia Brasileira de Letras, mas achámos que seria útil firmar um acordo, com todas as academias da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e foi isso que fizemos. Com isso, já fizemos parceria com a Academia Brasileira de Letras, com a Academia Cabo- Verdiana e com a Academia das Ciências de Lisboa.

ANGOP – Em que consistem essas parcerias?

PC – Trocamos informação, é bastante útil a troca de informação, porque muitas vezes fazemos coisas parecidas e se não soubermos o que os outros estão a fazer, perdemos um complemento muito importante. Organizamos uma mesa redonda com a participação de todas as academias. Em Moçambique e em Portugal não há academia de letras, portanto, são academias das ciências que têm secções de letras e nos outros países, portanto, academias de letras. Co-organizámos essa mesa redonda.

ANGOP – Muito recentemente a Academia Angolana de Letras empossou novos membros, de entre eles estrangeiros. Como se preparou esse processo e qual o critério de selecção?

PC – São dois momentos diferentes. Para os angolanos, eles próprios se candidatam. Há concurso, corre o edital e as pessoas candidatam-se. Sabemos que há pessoas que não se candidatariam. Mas os estatutos foram aprovados assim, nessa base, cada um deve candidatar-se. Quanto aos estrangeiros, é a academia que indica, que elege. Nós já tínhamos oito membros correspondentes, no primeiro mandato, e no segundo mandato entraram mais nove.

ANGOP – Quais são os critérios?

PC – São pessoas que se dedicam aos estudos literários, à literatura angolana, à literatura africana e aos estudos sociais relacionados com Angola e com África.

A última Assembleia Geral, que realizámos dia 26 de Agosto, aprovou uma alteração aos estatutos e um dos aspectos é que a academia pode, também, indigitar membros, e nós estamos a pensar fazê-lo já no terceiro mandato.

ANGOP – A academia está a viver um processo eleitoral. Paulo de Carvalho é o cabeça da lista única. Que projecto norteia essa candidatura?

PC – O facto de me recandidatar implica que tenha de me desfazer de algumas responsabilidades, porque não é possível continuar a assumir responsabilidades na faculdade, na Assembleia Nacional e na academia. Tem sido muito difícil, por isso deixei de escrever.

Com relação ao projecto, é preciso reactivar os órgãos da academia, nomeadamente o Conselho Científico, a própria direcção da academia funcionava apenas com três pessoas. O vice-presidente da comissão foi nomeado ministro da Cultura e, portanto, passamos a ser duas pessoas. A academia tem estado a funcionar com o concurso de duas pessoas e o apoio de outras pessoas.

ANGOP - Que projecto pretendem implementar?

PC – São várias coisas. Nós criamos uma revista, finalmente, mas a revista não é sequer impresa, é uma revista digital. Já saíram dois números, o terceiro está a sair com data de Junho. Estamos um bocadinho atrasados, mas sairá, até final de Outubro. A revista publica matérias relevantes relacionadas com as áreas de actuação da academia, designadamente literatura, linguística, estudos sociais e cultura em geral, arte, enfim. Gostaríamos de passar, também, para o papel essa revista.

Temos antologias. Depois da morte do nosso confrade Arlindo Barbeitos, fizemos três conferências em sua homenagem e prometemos republicar a sua obra, mas até agora não conseguimos recursos.

A partir deste exemplo podemos fazer outros, com académicos como Jaka Jamba, Octaviano Correia e outros, vamos tentar reunir alguns recursos para a republicação das suas obras.

Outro projeto é o da publicação de antologias, livros de vários autores e dicionários para as várias línguas, para as normas linguísticas nas várias línguas.

ANGOP – Ainda dentro da literatura. Angola é um país com uma oralidade muito rica, isso faz de Angola um país com uma literatura rica?

PC – Sim, absolutamente e não só a literatura, mas a cultura no geral. A oralidade é algo que está presente e que deve ser estudado. Temos um especialista, em oratura, o confrade António Fonseca, que há quatro décadas trabalha num programa radiofónico sobre literatura oral, na Rádio Nacional de Angola. Gostaríamos de desenvolver um projecto a esse respeito, ainda não avançamos porque os recursos são poucos.

ANGOP – “Mais Leitura, Mais Cidadania, Mais Desenvolvimento Sustentável” é o lema do Plano Nacional de Leitura, quer comentar?

PC – Eu acho que nós, em Angola, com relação a lemas estamos muito bem. Agora, na execução desses lemas está o busílis (problema), porque estamos bastante distantes. Temos que usar os recursos disponíveis, incluindo os recursos humanos e nem sempre isso acontece. Nós já citamos aqui a questão ligada ao Cânone Literário, ao Plano Nacional de Leitura, temos que usar as nossas instituições, temos uma Academia Angolana de Letras, se não gostamos da academia, então temos uma União dos Escritores, que existe há mais tempo. Nestas instituições há pessoas ligadas à literatura e aos estudiosos da literatura que deveriam ser ouvidas.

ANGOP – Isso poderá dever-se ao facto de a literatura ser elitista? Consegue, pelo menos, vê-la nesse lugar?

PC – Sim, a literatura é elitista, eu concordo. A literatura em qualquer parte do mundo é elitista, tem que ser. Porque ela é só para alguns. Nós achamos que para ser escritor é preciso ter um curso superior, não, aí está errado. Já tivemos escritores com a 4ª classe, bom, não com a 4ª classe de hoje.

De facto a literatura é elitista, porque ao contrário dos estudos sociais, que exigem primeiro uma formação superior, a literatura não. Temos verdadeiros escritores e no quadro da literatura oral, algumas pessoas analfabetas, que não o são em termos culturais, são pessoas eruditas, só não sabem ler nem escrever.

ANGOP – Na verdade, os maiores detentores/conhecedores da cultura oral de Angola são analfabetos...

PC – Pois é, e a questão é que vão morrendo e não passam o testemunho, infelizmente. Por isso é preciso reduzir a escrita, porque é a redução a escrita que vai deixar a marca. Há também o programa de António Fonseca “Antologia” tem alguns bons elementos, que não estão reduzidos à escrita, mas à oralidade; deixa o registo sonoro que as associações de natureza cultural podem e devem fazer, com o apoio do Estado.

ANGOP – Massificar a leitura é um dos objectivos do plano nacional, entretanto é isso possível como os preços de venda dos livros e o alto custo de vida?

PC – Temos que alterar a política fiscal. Enquanto tivermos uma política fiscal entre “elitista”, do primeiro mundo, quando estamos no quarto mundo, porque se dividirmos o mundo em quatro grupos, nós estaremos no quarto necessariamente, então a nossa política fiscal deve ser uma política adaptada a essa nossa localização e não uma política fiscal do primeiro mundo que provoca, além de distúrbios à economia, o aumento do desemprego.

ANGOP – Portanto, um empecilho à Lei do Mecenato, porque não permite que surjam os verdadeiros patronos.

PC – Sim, é verdade. Precisamos de facto que a política fiscal preveja essa possibilidade. Um exemplo concreto: Temos minorias étnicas, em Angola, entretanto não há políticas públicas de protecção às minorias.

ANGOP – Entretanto, Paulo de Carvalho é deputado à Assembleia Nacional.

PC – É verdade! Não trabalho nessa comissão, a minha comissão está ligada ao poder local, portanto temos uma palavra a dizer em relação a isso.

É preciso haver estudos relacionados com essas minorias para que elas não desapareçam; tem que haver políticas fiscais que façam com que as empresas perdurem por um lado e por outro para apoiar iniciativas filantrópicas como é o caso da academia letras.

ANGOP – Como se sente o sociólogo Paulo de Carvalho, sentado no Parlamento, perante todas as polémicas que enfrenta a sociedade?

PC – Algumas vezes com vontade de desistir, tenho que assumir; Já meditei seriamente sobre a manutenção, a continuidade, mas quando conseguimos contribuir para alguma mudança e quando recebemos incentivos de continuidade...

ANGOP – Não é lutando que se vence a luta?

PC – É verdade, é estando lá que se consegue contribuir para a mudança... e é por isso que me mantenho lá.

ANGOP – Um livro que recomenda?

PC – Eu recomendaria, se calhar, dois e vou para “Mestre Tamoda” de Uanhenga Xitu e “Outros Contos” de Pepetela. Este para mim é um romance histórico, útil para as novas gerações.

PERFIL

Paulo de Carvalho nasceu em Agosto de 1960, em Luanda, mas foi no Lobito, província de Benguela que cresceu o caçula dos Carvalho. A família da minha mãe era tradicional de Luanda que apostava na formação; A família do pai valorizava mais o trabalho. Por isso o pai só tinha a 4ª classe, enquanto a mãe terminou o liceu Salvador Correia, ao lado de António Jacinto e Agostinho Neto. Ainda em 1960, sua mãe, então funcionária dos Correios, foi transferida pelas autoridades coloniais para o Lobito, província de Benguela, uma medida que visava o marido, nacionalista considerado pelo regime colonial um subversivo, que trabalhava então como guarda-livros numa empresa privada.

Regressam a Luanda, em 1974, onde Paulo de Carvalho terminou o liceu e começou a trabalhar na Comissão de Moradores do Bairro Operário; foi secretário do organismo de Cultura e coordenador do Programa de Alfabetização; Foi alfabetizador e professor primário. Como todos os jovens revolucionários da altura, o trabalho não era remunerado.

Entre 1978 e 1979, já na faculdade de engenharia da Universidade Agostinho Neto, Paulo de Carvalho vê-se obrigado a trabalhar, porque tinha apenas uma calça, duas camisas e um par de sapatos cansados.

Com o seu sonho de ser jornalista na pasta de livros que carregava sempre consigo debaixo do braço, já que a engenharia não lhe dizia nada, dirigiu-se ao Jornal de Angola na busca do seu primeiro emprego remunerado; Foi jornalista em vários órgãos de comunicação, consultor, entre outras funções.

Em 1980 ruma para a Polónia, onde concluiu a licenciatura e o mestrado em sociologia.

Paulo de Carvalho doutorou-se em sociologia, em 2004; É professor universitário, deputado e presidente da Academia Angolana de Letras. IA/ADR

 



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Amadeu Simão
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