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Concorrência desleal retrai mercado de bebidas

     Economia              
  • Luanda • Sábado, 26 Junho de 2021 | 09h17
Linha de fabricaçao de bebidas
Linha de fabricaçao de bebidas
Cedida

Luanda – A indústria de bebidas, que já chegou a assegurar 14 mil empregos directos e 45 mil indirectos em Angola, até 2019, registou prejuízos consecutivos nos últimos três anos, avaliados em mais de 13 mil milhões de kwanzas.

Por Quinito Bumba

Desde esse período, as empresas do sector registam um acentuado declínio na carteira de negócios, devido a dezenas de factores, principalmente o surgimento da Covid-19 que impacta em todo o mundo, deixando um quadro de incertezas. 

Em concreto, o abrandamento deste negócio deveu-se, entre outros factores, à desvalorização persistente do Kwanza e à concorrência desleal protagonizada por empresários e empresas/grupos que escapam do pagamento de impostos e optam    pela prática de preços mais baixos para chegarem ao lucro fácil.

O segmento das bebidas em Angola, cuja capacidade de produção é de 3,4 mil milhões de litros/ano, começou a tornar-se "não rentável" em 2018, altura da  paralisação de pelo menos nove unidades fabris, numa lista de mais de 40 empresas controladas pela Associação das Indústrias de Bebidas de Angola (AIBA).

Entretanto, os primeiros sinais de retracção surgiram em meados de 2014, com o despoletar da crise petrolífera mundial que abalou a economia angolana e originou a depreciação cambial, resultando na extinção de mais de 50 por cento de postos de trabalho nesta área de actividade, a nível de todo o país.

Só para ter ideia, dados do Instituto Nacional de Estatística referem que o sector das bebidas representava, até 2018, quatro por cento do Produto Interno Bruto, quando, em 2017, exportou cerca de um milhão de litros para diversos países do mundo.

Com o aumento da concorrência desleal, o excesso de burocracia no processo de importação de matéria-prima e a elevada carga fiscal na exportação dos produtos nacionais, a produção de bebidas caiu para 1,2 mil milhões de litros/ano (35% da capacidade instalada), com facturação anual de mais de 450 mil milhões de kwanzas. 

“Actualmente, um dos maiores desafios do sector é a concorrência desleal, havendo muitas empresas que conseguem fugir ao pagamento de impostos e assim praticam preços mais baixos, atingindo lucros fáceis”, denuncia, a esse respeito, o director executivo da Refriango, Diogo Caldas.

Os dados disponíveis mostram que entre 2018 e 2020, as vendas das empresas caíram até 50 por cento, levando ao encerramento de nove, com destaque para a Nocal, Sumol+Compal e a Eka, bem como a paralisação de algumas linhas de produção.  

Segundo Sérgio Faria, membro da National Distellers, as mais de 40 empresas controladas pela AIBA registaram, em 2020, perdas de 100 milhões de kwanzas, contra os Kz mil milhões registados em 2019. O sector registou o pico de prejuízos em 2018, ano em que teve perdas avaliadas em cerca de 12 mil milhões de kwanzas. 

Perdas avultadas

No global, essa indústria anotou a perda de mais de Kz 13 mil milhões, entre 2018 e 2020, sendo o segmento dos sumos o mais afectado nas vendas, com uma queda de 50 por cento, só no ano transacto.  

Seguiu-se o de refrigerantes, que sofreu baixa de 38 por cento, de cerveja 25,8 por cento, dos vinhos, álcool e espirituosas 21 por cento, e das águas, com quase 10 por cento. O declínio desta indústria provocou a extinção de seis mil empregos directos.  

Conforme números oficiais, até 2019 o sector empregava, de forma directa, 14 mil trabalhadores, e criou, igualmente, perto de 45 mil empregos indirectos. Em 2020, entretanto, o número de postos de trabalho directo caiu para oito mil.  

“Diante dessas quedas consecutivas, agravadas, fundamentalmente, pela concorrência desleal, o excesso de burocracia e carga fiscal, as empresas deixaram de ser rentáveis e sustentáveis”, segundo Sérgio Faria.  

Para esse especialista, as empresas não devem apresentar resultados negativos ou prejuízos durante três anos consecutivos, quando já operam no mercado há mais de dez anos, porque quando isso acontece, entram em “falência técnica”, como se constata  actualmente no sector de bebidas em Angola.  

“Não é espectável que uma empresa que está no mercado há 15 ou 20 anos tenha lucros negativos/prejuízos durante três anos seguidos, porque depois deste período a empresa poderá não conseguir recuperar e cair em falência técnica”, expressa.

Argumenta ser pacífico para uma empresa registar, sim, resultados negativos consecutivos nos primeiros três ou cinco anos da sua existência, por ser um período estimado para divulgação dos produtos e conquista da quota de mercado.

Ainda em relação às dificuldades do sector, Agata Russell, directora-geral da National Distellers, empresa vocacionada ao fabrico de whisky, com destaque para a marca Best, fala da existência de cerca de 70 marcas de diversas bebidas no mercado informal, produzidas ilegalmente e comercializadas a preços baixos.

A responsável alega existirem muitas bebidas comercializadas no mercado informal, como autênticas cópias do produto das fábricas legais, prejudicando a imagem e a rentabilidade destas, assim como a saúde humana, por serem de origem duvidosa.

“A produção e venda de bebidas de forma ilegal e abaixo do preço do mercado oficial prejudica as empresas que exercem a actividade legalmente e pagam impostos. E a concorrência desleal também é perniciosa para o próprio Estado, que pode registar uma redução na arrecadação de receitas, por causa da fuga ao fisco”, observa.

Os empresários apontam a imposição de medidas, por parte do legislador, que visam moderar o consumo de bebidas alcoólicas no país, como outro factor que justifica a “não retoma da produção dos anos anteriores”, para abastecer o mercado interno.

Potencial de exportação

Todavia, apesar das dificuldades reportadas, a indústria de bebidas é um dos sectores que mais se desenvolveu no país, nos últimos dez anos, em termos de tecido empresarial, bem como no desenvolvimento de outras áreas complementares, como agricultura, formação e capacitação dos recursos humanos.  

Segundo estudos da AIBA, pela sua capacidade de produção instalada e pelo número de empregos criados, esta indústria tem potencial para trazer à balança comercial  cerca de USD 700 milhões, através das exportações, num período de cinco anos.

De igual modo, com excepção ao sector petrolífero, as empresas de bebidas formais são as que mais contribuem nas receitas do Estado, com o pagamento de impostos anuais, como relata o CEO da empresa Refriango, Diogo Caldas.  

Conforme o responsável do maior complexo industrial de África, nos últimos dez anos, as empresas do sector substituíram grande parte das importações de produtos acabados, como latas, vidro, tampas e rótulos.

“Nesse período, o sector impulsionou também o surgimento da Nampak (única indústria de latas no país) e da Plastcon (dedicada à produção de plásticos, embalagem reformável, grades, entre outros)”, salienta, acrescentando que o potencial desta indústria permitiu o aumento da produção de açúcar, milho, gritz, entre outros produtos utilizados no fabrico de bebidas em Angola.  

Para o CEO da Refriango, a indústria de bebidas em Angola (focada na produção de água de mesa, sumos e néctares, refrigerantes, cervejas, cidras, vinhos e espirituosas)  representa um sector com capacidade produtiva “mais do que suficiente” para satisfazer a procura interna e impor-se no mercado de exportação.

Com capacidade de produção instalada de mais de 2,3 mil milhões de litros/ano, a Refriango dispõe de 28 linhas de enchimento, tendo criado, até ao momento, mais de dois mil empregos directos. A empresa assume a produção das marcas Tigra, Blue, Nutry, Welwistchia, Água Pura, Gaivota, entre outras.  

Mão pesada contra infractores

Atento às fraudes comerciais e económicas, o Governo, através da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA), desmantelou alguns grupos empresariais, reincidentes em práticas criminosas, a exemplo da United Global Investiment e da Coastline Comércio, localizadas no município de Viana, em Luanda.

Essas empresas, que se dedicavam à produção e comercialização de bebidas alcoólicas destiladas de marcas “Black Jack”, “Scot Gin”, “Bull Rider-Café Rum”, “Irish Dream”, “Red Bull-Energia”, “Ice-Cane Spirit”, “Gin Stag”, “Siga-Gengibre uísque” e “Cavaleiro - Café Rum”, foram encerradas e multadas por graves irregularidades.

Entre as violações constatadas pela Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar destacam-se a falta de licença ambiental de instalação e operação, e a existência de laboratórios sem condições para o controlo de qualidade das bebidas.

Durante as inspecções, foram também encontrados, nos seus espaços, mais de 60 galões de “Caustic Caramel”, de 50 ml, com as datas vencidas desde 2020.

Nessas fábricas, cujos proprietários são cidadãos indianos, detectou-se igualmente a existência de produtos acabados armazenados no reservatório de gasóleo, que servia, de igual modo, para armazenar a água utilizada para a produção das bebidas espirituosas.

As autoridades encontraram sacos de “ácido cítrico” de origem chinesa, sem as datas de validade e tambores de 250 ml de “Glycerina” sem prazos de caducidade, além de 12 caixas de emulsão de manga (sabores) com as datas de validade vencidas.

Paralelamente a esta realidade, os industriais apontam o pagamento dos emolumentos dos serviços portuários em dólares (dolarização das taxas) como outro factor que tem lesado a actividade das empresas de bebidas em Angola.

Entraves legais

Numa altura em que as atenções do Governo angolano estão centradas no aumento da produção interna e exportação dos produtos nacionais, empresários afirmam que a fraca fiscalização desincentiva os investidores e inviabiliza as boas iniciativas do Executivo.

Ouvidos pela Angop, afirmam que o tímido combate à concorrência desleal e o excesso de burocracia no processo de importação e exportação de bebidas angolanas têm constituído, também, verdadeiros entraves aos “players” da indústria de bebidas.

Segundo os operadores do sector, essas questões podem ser resolvidas ou combatidas num curto espaço de tempo, por estarem já identificadas há alguns anos.

“Se Angola quiser fomentar a produção nacional e as exportações, o Governo tem de criar as condições necessárias, para que esse processo seja feito o mais rápido e ao menor custo possível”, alerta o especialista Sérgio Faria.  

De acordo com o administrador da Sociedade de Distribuição de Bebidas de Angola (SODIBA), Farid Bouhamara, a obrigatoriedade da venda de 50 por cento das divisas obtidas dos produtos exportados ao banco intermediário, uma medida imposta pelo Banco Nacional de Angola (BNA), também tem inibido as empresas exportadoras.

Aponta, de igual modo, o excesso de burocracia no processo de importação de matéria-prima e exportação dos produtos nacionais como barreiras dos industriais, visto que o período de licenciamento para envio de mercadorias no exterior do país varia de sete a dez dias, tempo considerado moroso para os empresários.

Comparativamente a outros países africanos, Angola é um dos que pratica taxas onerosas sobre a exportação, além da demora que se observa neste processo, segundo Sérgio Faria, especialista em economia política.

Por sua vez, o perito em comércio internacional, Farid Bouhamara, explica que só a taxa de porto (EP14), tráfego e o selo do contentor, por exemplo, são três vezes superiores à média dos valores internacionais.

Apesar de a maior parte da matéria-prima (embalagens, garrafas de vidro, grades, rótulos e tampas) associadas à indústria de bebidas ser assegurada pela produção nacional, Angola importa, fundamentalmente, o malte, lúpulo e concentrados de fruta, produtos que ainda não são produzidos localmente.

Para a aquisição desses produtos e de peças sobressalentes no exterior do país, as empresas precisam de divisas, que ainda continuam escassas no mercado cambial.

Como consequência, os preços de importação de matéria-prima estão sujeitos a flutuações cambiais, que nem sempre são imputadas no preço final, comprometendo o esforço do lado das empresas, esclarece Diogo Caldas, CEO da Refriango.

Segundo os empresários ouvidos pela Angop, o aumento do Imposto Especial de Consumo (IEC) para 25 por cento, em 2019, é outro “calcanhar de aquiles” para a indústria de bebidas, impactando, negativamente, na rentabilidade das empresas.

Com a implementação dessa lei, dizem, o IEC passou a representar 15 por cento do custo total de cada empresa, enquanto as mercadorias vendidas e matérias consumidas têm um peso de 67 por cento sobre os custos, contra 45 por cento praticado na África do Sul, por exemplo.

Estratégias para sair do declínio  

Segundo Farid Bouhamara, perante todos esses cenários, a procura de novas oportunidades nos mercados externos deve ser o caminho a seguir e a “tábua de salvação” da indústria de bebidas em Angola, tendo em conta a competitividade e os padrões de qualidade internacional dos produtos locais.

Para tal, sugere a abordagem dos mercados externos como uma prioridade para as empresas e autoridades governamentais, que devem reflectir e rever os procedimentos internos, visando criar as condições para melhorar a capacidade de resposta em termos operacionais e obedecer as boas práticas para a exportação.

O especialista em comércio internacional entende que a concretização desse desafio passa, necessariamente, pela desburocratização dos processos de exportação, redução das taxas dos terminais portuários para produtos a ser exportados e desdolarização das taxas e emolumentos portuários.

A saída do declínio do sector das bebidas, acrescenta, depende também da extinção da obrigatoriedade imposta pelo BNA sobre a venda aos bancos de 50 por cento das divisas que resultam da venda dos produtos exportados.

Propõe, também, a ratificação urgente do tratado de livre comércio da SADC, com vista a usufruir da isenção de pagamento de direitos de importação dos produtos nacionais na região da África Austral, advogando a implementação do Código de Barras, que permite aos produtos feitos em Angola terem uma identidade nacional.

A criação de seguros de crédito à exportação e de linhas de financiamento com juros bonificados para a produção de mercadorias destinadas à exportação, bem como a criação de programas de participação em certames e outras iniciativas, para promover as marcas angolanas, também se impõem para o “resgate” da indústria de bebidas.

Para o início da concretização desse desiderato, a AIBA já começou a trabalhar na elaboração de um projecto sustentável de exportação, visando levar as marcas de bebidas angolanas para o exterior do país, mormente para a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

Governo flexibiliza   

Os empresários reconhecem a abertura de diálogo das autoridades angolanas, que estão preocupadas com as dificuldades dos operadores, mostrando a total disponibilidade na cooperação e resolução dos principais problemas que afligem a indústria de bebidas.   

Para minimizar o “sofrimento” das empresas, o Ministério da Indústria e Comércio colocou, desde Abril último, à disposição dos utentes do Sistema Integrado do Comércio Externo (Sicoex) e do público, em geral, a “Plataforma Integrada do Comércio Externo” (PICE), através do endereço http://pice.gov.ao

Esse serviço, operacionalizado pelo Comité Nacional de Facilitação do Comércio, visa integrar os actuais sistemas às novas ferramentas que deverão conferir maior celeridade, simplificação dos procedimentos e menos burocracia às solicitações de licenciamento de importação e exportação.

Na opinião dos players do sector, em pleno funcionamento, o PICE poderá contribuir na capacidade de resposta das empresas importadoras e exportadoras.

Quanto à carga fiscal, os empresários começam a “respirar de alívio”, com a alteração da Lei sobre o Imposto Especial de Consumo (IEC), aprovada pela Assembleia Nacional, em Abril último. A lei, em vigor desde 2019, prevê para as bebidas alcoólicas e refrigerantes taxas de 25 e 19 por cento, respectivamente.

A alteração do diploma, que visa baixar as taxas do IEC e introduzir novos mecanismos de fiscalização e controlo dos produtores, vem dar resposta às reclamações trazidas por operadores do sector, em 2019, ano em que se agravou este imposto unilateralmente.

A nova versão, além de individualizar a categorização dos produtos, propõe taxas de oito por cento aos refrigerantes, 11 por cento às cervejas e sidras, 15 por cento aos vinhos e 21 por cento às bebidas destiladas e espirituosas.

Actualmente, com o lema “Juntos somos mais fortes”, a Associação das Indústrias de Bebidas de Angola controla mais de 44 membros associados, nas províncias de Luanda, Cabinda, Cuanza Norte, Malanje, Cuanza Sul, Huambo, Benguela e Huíla.

Em quase sete anos, desde a sua criação a 1 de Outubro de 2014 (com 12 membros fundadores), as empresas de bebidas já investiram mais de mil milhões de dólares norte-americanos, na construção, ampliação e apetrechamento de unidades fabris, cujos rendimentos se viram fortemente afectados pela concorrência desleal e pela Covid-19.

 





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