Luanda – A criação de rios artificiais, com recurso à tecnologia, para levar água em localidades afectadas pela seca é apontada como uma das soluções para combater este fenómeno e, consequentemente, a desertificação que tem assolado, princiaplamente a Região Sul de Angola, segundo o agrónomo angolano, Adérito Costa.
Em entrevista à ANGOP, a propósito da seca ciclica que tem afectado algumas zonas do país, o especialista justificou que a transportação de água para as zonas carenciadas regenera o solo e ajuda germinar as sementes naturais que vão repovoar determinadas localidades.
De acordo com o engenheiro agrónomo, os rios criados pelo homem ou canais de irrigação similar ao Canal do Cafu, construído na província do Cunene, com pequenos desvios do percurso de água, traz o “cortinado verde” e dá vida à agricultura em determinadas áreas mais secas do país.
Apontou também a necessidade de se criar furos de água em zonas elevadas, numa espécie de montanha para evacuar nas localidades mais baixas, o que permite a criação do crescimento de organismos vivos (plantas e capim).
Para o Sul de Angola, Adérito Costa sugere que o projecto seja criado através de furos artesianos, por existir pontos onde são concentrados água no lençol freático, no qual o homem pode fazer a exploração das reservas naturais das bacias.
O também conhecido como "Rei da Pitaya" explicou que o surgimento do fenómeno da seca de forma ciclica nessa região justifica-se pela quase inexistencia de comunicação entre o lençol freático e a camada atmosférica, em função das grandes rochas que inviabilizam a vaporização e evaporização das águas.
Acrescentou ainda que o Sul do país, em determinadas épocas do ano, recebe quantidades enormes de água das chuvas, facto que também provoca o surgimento da seca severa.
O engenheiro agrónomo reconheceu que o Governo angolano tem traçado políticas com estratégias de dar solução ao fenómeno da seca, mas ainda “não são feitas de forma mais assertiva”, sugerindo que as políticas sejam adoptadas em função das prioridades, para que se possa atender a real dificuldade da população.
Por isso, o especialista apontou a necessidade de se criar uma equipa multissectorial para identificação da realidade em função das necessidades pontuais.
Com isso, a fonte acredita que a situação da seca em Angola seja resolvida dentro de quatro a cinco anos.
“Podemos usar a evolução científica e tecnológica no sector da hidrografia e na agricultura, para conseguir levar água onde é necessário, tendo em conta que Angola é detentora de grandes quantidades de reservas hidrográficas a nível do continente africano, com a existência de rios e a grande extensão marítima, capaz de dar cobertura a necessidade de consumo para mais de 35 milhões de habitantes do país”, sublinhou.
Reflorestação das zonas devastadas
Por outro lado, o agronómo recomendou a transplantação de árvores para reflorestar as zonas devastadas ou onde as árvores foram cortadas.
Para este caso, aconselhou a plantação de árvores frutíferas ou medicinais, para que a população tenha mais cuidado na preservação, comparativamente as árvores que apenas trazem como benefício a arborização.
Alertou aos arquitectos a terem em conta a questão da arborização na construção de infra-estruturas em zonas que, anteriormente, eram para fins agrícolas.
De acordo com Adérito Costa, o surgimento de infra-estruturas em campos agrícolas inclui o abate desgovernado de árvores, sem pensar na reflorestação para reduzir os efeitos da camada de ozono.
Essa prática, avançou, provoca a desertificação, com a ausência de árvores ou vegetação, dando lugar a zonas áridas e desérticas.
Cunene entre as províncias mais afectadas pela seca
Entre as províncias mais afectadas pela seca na região Sul do país, o destaque recai para o Cunene que há mais de duas décadas, depois de ganhar o estatuto de província, com a sua desanexação do então distrito da Huíla, a 10 de Julho de 1970, tem atravessado escassez de água.
A seca nessa província está relacionada com a sua proximidade dos desertos do Namibe e do Kalahari, na vizinha Namíbia, que expõe a província a longos períodos sem chuva ou de grandes cheias, quando se verificam elevados níveis de pluviosidade.
Um dos períodos mais críticos de escassez do líquido precioso no Cunene ocorreu em 2019, quando a seca severa atingiu milhares de pessoas e gados, provocando êxodo em massa.
Estratégia do Governo para combate à seca
Para mitigar os efeitos nefastos da seca cíclica, na região Sul de Angola, com destaque no Cunene, o Governo angolano gizou estratégias concretas e de emergência, mobilizando os maiores investimentos para a construção de infra-estruturas que visam levar água às comunidades.
Em 2022, lançou-se as obras do primeiro Sistema de Transferência de Caudais (Cafu), feito que devolveu a esperança aos habitantes das zonas afectadas, sobretudo os agricultores e os criadores de animais.
Com um orçamento de 44 mil milhões, 358 milhões e 360 mil 651 kwanzas, o projecto tem como beneficio o acesso à água de 235 mil pessoas dos municípios de Ombadja, Cuanhama e Namacunde, o abeberamento de 250 mil animais e a irrigação de cinco mil hectares de campos agrícolas.
Foram instaladas estruturas metálicas da câmara de aspiração e zona de tomada de água, edifício da subestação eléctrica, com três grupos geradores com capacidade de um megawat e reservatório unidimensional, além de painéis solares capazes de gerar 1.5 megawatt de energia.
Tem um canal a céu aberto, numa extensão de cerca de 165 Km, sendo o troço principal com 47 Km, desde a estação do Cafu a Ombala yo Mungo, e dois outros que ligam a região de Ndombondola e Namacunde.
Cerca de 30 chimpacas, com 100 metros de comprimento, 50 de largura, cinco a seis de profundidade e a capacidade de armazenamento de água que varia de 25 mil a 30 mil metros cúbicos dão corpo ao maior projecto de combate à seca, no Cunene.
A par do Cafu , está em curso a construção das barragens do Ndúe e Calucuve, consignadas, em finais de Outubro de 2021, e localizadas no município do Cuvelai.
Com a implementação desses projectos, espera-se o armazenamento de 245 milhões de metros cúbicos de água para as necessidades das populações, gado e actividades agrícolas.
Na bacia hídrica do Cuvelai, está em construção a barragem de terra (Ndúe) com 26 metros de altura, uma rede de canais adutores de 75 quilómetros e mais 15 chimpacas.
Já o Calucuve, também uma barragem de terra mas com 19 metros de altura, está associado a uma rede de canais, com uma extensão de 111 quilómetros e mais 44 chimpacas no traçado Calucuve-Ondjiva.
Na margem direita do rio Cunene, encontram-se em execução as obras de construção da Barragem da Cova do Leão, no município da Cahama, com um volume útil estimado em 25,2 milhões de metros cúbicos, 17 metros de altura de barramento, quatro metros de largura na crista e 844 metros de comprimento.
Inclui a construção de uma conduta de 98 quilómetros para beneficiar as populações dos municípios da Cahama e do Curoca, dos mais afectados pela seca.
Esse programa vai abastecer cerca de 240 mil pessoas e mais de 30 mil cabeças de gado, bem como as 17 mil ligações domiciliares, mais de 250 chafarizes e a irrigação de uma área aproximada de 75 hectares, além de garantir mais de mil 400 empregos directos.
O maior investimento do Estado, nos últimos 54 anos, para combater a seca naquela circunscrição, prevê ainda a reabilitação de 13 furos e nove represas e a execução de um sistema de abastecimento de água à Oncócua (sede municipal do Curoca).
Este último projecto baseia-se no aproveitamento de furos artesianos já existentes, bem como na execução de novas captações subterrâneas.
O projecto conta com um financiamento da GEMCORP, no valor de 284,41 milhões de dólares americanos, empreitada a ser executada pelo Gabinete para a Administração das Bacias Hidrográficas do Cunene, Cubango e Cuvelai (GABHIC). ML/QCB