Luanda – Íntegra da Comunicação ao país do Chefe de Estado angolano, João Lourenço, no âmbito da reconciliação nacional em memória das vítimas dos conflitos políticos em Angola, no período entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002.
Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Nacional
Excelentíssimos Senhores Membros do Conselho da República
Digníssimos Líderes das Igrejas
Estimados membros da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos
Estimados Convidados
Caros Compatriotas
Completam-se amanhã 44 anos desde os trágicos acontecimentos que enlutaram o país aos 27 de Maio de 1977, num momento em que se passavam apenas dois anos da proclamação da Independência Nacional, pela qual tanto lutámos.
Nessa altura, ninguém imaginava que as divisões internas dos movimentos de libertação seriam transportadas para o interior do país no período pós-Independência e com consequências tão trágicas, que deixaram feridas profundas nos corações dos angolanos.
Um grupo de cidadãos organizados levou a cabo uma tentativa frustrada de golpe de Estado, matando altas figuras do poder instituído, com destaque para o Ministro Saidy Vieira Dias Mingas, os Comandantes Paulo Silva Mungungu “Dangereux”, José Manuel Paiva “Bula”, Eugénio Veríssimo da Costa “Nzagi”, Eurico Gonçalves e os cidadãos Hélder Ferreira Neto, António Garcia Neto, Cristiano dos Santos e Adelino Recua.
No intuito da reposição da ordem constitucional, a reacção das Autoridades de então foi desproporcional e levada ao extremo, tendo sido realizadas execuções sumárias de um número indeterminado de cidadãos angolanos, muitos deles inocentes.
A postura de um Estado perante situações adversas e de extrema tensão deve ser, sempre que possível, ponderada e comedida, pelas responsabilidades maiores que o Estado tem na defesa da Constituição, da Lei e da vida humana.
Nos últimos anos, Angola tem vindo a desempenhar na região um papel de promotor da paz pela via do diálogo, de apaziguador de tensões e conflitos internos ou inter-estatais.
Entendemos ser importante esta acção da nossa diplomacia, porém, mais importante será trabalharmos continuamente para sararmos, em definitivo, as feridas ainda prevalecentes dos nossos próprios conflitos políticos.
Aos 04 de Abril de 2002, o país deu início a um processo de Reconciliação Nacional, amplamente aplaudido e encorajado, mas que deve ser contínuo e com o compromisso de todos em renová-lo constantemente, para que se fortaleça e se consolide.
É neste quadro que criámos, por Despacho Presidencial de 16 de Maio de 2019, a Comissão para a Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos desde a nossa Independência Nacional, e que tem vindo a trabalhar, num ambiente de harmonia, com os representantes de Partidos Políticos com assento parlamentar, com membros de Organizações da Sociedade Civil e familiares das vítimas.
Naquela altura, pareceu ser mais um exercício de cosmética, que não tinha um objectivo claro a alcançar. Pouco a pouco, o cepticismo de muitos foi dando lugar à esperança de que o processo parecia ser sério.
Hoje podemos dizer que a confiança superou o cepticismo e que o sucesso dos trabalhos da Comissão encorajou o Chefe de Estado a dar o passo importante que hoje vai anunciar.
Caros Compatriotas
Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados; importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe.
É assim que, imbuídos deste espírito, vimos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos no geral, pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas e o perdão, pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias.
Este pedido público de desculpas e de perdão não se resume a simples palavras, ele reflecte o nosso sincero arrependimento e vontade de pôr fim à angústia que ao longo destes anos as famílias carregam consigo, por falta de informação sobre o destino dado aos seus ente-queridos.
Caros Compatriotas
Angolanas e Angolanos
Amanhã, simbolicamente, daremos início ao processo de entrega das primeiras certidões de óbito aos familiares das vítimas do conflito do 27 de Maio.
Nos próximos dias, daremos início ao processo de localização dos restos mortais (ossadas) de Alves Bernardo Baptista (Nito Alves), Jacob João Caetano (Monstro Imortal), Ernesto Eduardo Gomes da Silva (Bakalof), Sita María Dias Valles (Sita Valles), José Jacinto da Silva Vieira Dias Van-Dunem (Zé Van-Dunem), António Urbano de Castro (Urbano de Castro), David Gabriel José Ferreira (David Zé), Artur de Jesus Nunes (Artur Nunes), Pedro Fortunato, Arsénio José Lourenço Mesquita (Sianuk), António Lourenço Galiano da Silva, Domingos Ferreira de Barros (Sabata), de ex-militares da 9 Brigada, de ex-militares do Destacamento Feminino e de ex-militares da DISA, vítimas do 27 de Maio de 1977, para a exumação e entrega aos familiares.
Serão ainda entregues às respectivas famílias as ossadas de Jeremias Kalandula Chitunda, Elias Salupeto Pena e Adolosi Paulo Mango Alicerces, tombados em combate no conflito pós-eleitoral de 1992, na cidade de Luanda.
Pelo tempo transcorrido, é de se esperar que não se consiga localizar e identificar os restos mortais de todas as vítimas, mas tudo faremos para que o maior número possível de famílias atingidas possam realizar um funeral condigno dos seus ente-queridos, pedindo desde já a compreensão de todos para aqueles casos em que não for possível atingir este objectivo.
Acreditamos que este gesto, carregado de emoção e de um grande simbolismo, proporciona um grande alívio às famílias das vítimas, mas também ao Estado angolano que, através do actual Executivo, decidiu quebrar o silêncio de mais de quatro décadas.
Este constitui um momento de alegria e, ao mesmo tempo, o do derramar de lágrimas contidas por muitos anos, que nos trazem o alívio almejado e nos levam a jurar não permitir que o país volte a viver tão tristes acontecimentos algum dia.
Devido à necessidade da manutenção do sigilo até à data de hoje, apenas nos próximos dias serão feitas as primeiras escavações e dados os primeiros passos na materialização do que acaba de ser anunciado.
Ciente da importância e da necessidade de o fazer, ao dar este passo por iniciativa própria, o Estado angolano abre uma nova página da nossa história e encoraja a todos os outros actores e participantes dos conflitos políticos, a fazerem-no igualmente.
A história não se apaga, a verdade dos factos deve ser assumida para que as sociedades tomem as necessárias medidas preventivas, para evitar que tragédias idênticas se repitam.
Este povo heróico e generoso, que já deu provas de saber perdoar, merece ouvir igualmente, de quem tem a responsabilidade de o fazer, um pedido público de desculpas e de perdão pelas almas de Tito Chingungi, de Wilson dos Santos e respectivas famílias, das valentes mulheres das fogueiras da Jamba, dos passageiros do comboio do Zenza-do-Itombe, dos mártires das cidades do Cuito (Bié) e do Huambo, e de outros não citados aqui.
Estamos convencidos que, com este gesto, as almas das vítimas dos conflitos políticos terão a paz necessária para o repouso eterno.
Com este virar de página, que nos conduz à reconciliação genuína dos angolanos, independentemente das cores partidárias, exorto a todos os cidadãos angolanos a dedicarmos todo o nosso saber, todas as nossas energias, à causa da edificação do nosso projecto de Nação, do desenvolvimento económico e social, pela prosperidade e bem-estar dos angolanos.
Viva a Paz e a Reconciliação Nacional
Viva Angola.