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Retrospectiva`2023: Futebol entre bem e mal

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  • Luanda • Segunda, 18 Dezembro de 2023 | 21h18
Qualificação ao CAN da Côte d`Ivoire salva futebol em ano de inrealizações
Qualificação ao CAN da Côte d`Ivoire salva futebol em ano de inrealizações
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Luanda - Em 48 anos de futebol em Angola, após o surgimento de associações e da federação, nenhuma época foi tão atípica quanto a de 2023, alternando entre bem e mal e constrangendo o associativismo desportivo.

Por Marcelino Camões, jornalista da ANGOP

Esta modalidade, das mais aglutinadoras do mundo, viveu, no entanto, no ano que termina, momentos sublimes: a qualificação para o Campeonato Africano das Nações (CAN), de 13 de Janeiro a 11 de Fevereiro de 2024, na Côte d’Ivoire, e o chamado “Caso do Áudio”.

Mas, começando pelo CAN, após a última presença em 2019, no Egipto, onde parou na fase inicial, a Selecção Nacional qualificou-se pela oitava vez, com o objectivo de igualar ou fazer melhor que os quartos-de-final das edições do Ghana`2008 e Angola`2010.

Ainda dentro das quatro linhas, os últimos 365 dias também estão a ser marcados pela corrida dos Palancas Negras, como também é designada a Selecção de Angola, ao Campeonato do Mundo, a decorrer de 8 de Junho a 19 de Julho de 2026, nos EUA, México e Canadá.

Enquadrada no grupo D, Angola procura repetir a proeza de 2006, na Alemanha.

Para o efeito, recentemente, os Palancas Negras empataram a zero bolas, fora de portas, nas duas jornadas já disputadas, sendo primeiro com Cabo Verde e depois com as Ilhas Maurícias.

A segunda volta inicia-se em 2024, com os angolanos na 4ª posição, com dois pontos. A liderança pertence aos Camarões (4 pts), seguido pela Líbia (4) e Cabo Verde (4). A Mauritânia é a 5ª colocada (01), enquanto o Eswatini a última (00).

No entanto, o duplo bom momento do desporto rei contrasta com situações de menos prestígio, como a não efectivação da Liga de Futebol de Angola, quando a organização previa o contrário, além de um caso de corrupção de dimensão jamais vista, o chamado “Caso do Áudio”.

Apesar dos avanços administrativos por parte da Federação Angolana de Futebol (FAF) e da Associação Nacional de Clubes Angolanos de Futebol (ANCAF), a Liga de Futebol de Angola, que deverá substituir o Campeonato Nacional, vulgo “Girabola”, não saiu do papel.

Para a efectivação do sonho, as duas instituições já celebraram contrato de competências ligadas à arbitragem, vistoria aos estádios, regras sobre matérias de natureza comercial e questões financeiras, por parte de grupos empresariais, como por exemplo a SONANGOL, ENDIAMA E SODIAM.

Aspectos de natureza desportiva também estiveram na base do adiamento, possivelmente para a época de 2024-25, tal como os direitos de transmissão televisiva, ainda com pormenores por acertar.

Pelo andar da carruagem, a Liga poderá arrancar sem o cumprimento das normas internacionais. A FAF e a ANCAF trabalham para a implementação do evento “contra a natura”, ou seja, com patrocinadores oficiais, quando o certo seria primeiro cada clube tornar-se auto-sustentável.

Um estudo comparado demonstra que, para a organização de prova do género, os clubes devem transformar-se em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), além de outras tantas exigências, como contas auditadas e estádios em sintonia com as exigências internacionais.

Caso do Áudio

A corrupção é toda acção, activa ou passiva que de forma desonesta é praticada por uma pessoa ou grupo de pessoas que assumam uma posição de poder, com o intuito de retirar vantagens ilícitas, ou ainda, usando e abusando da sua posição para interesses pessoais.

É um acto que pode materializar-se em suborno, desvio de verbas, uso de recursos para benefício próprio, de informações confidenciais, extorsão, tráfico de influência, fraudes, propina, entre outros.

Até então, situações iguais no desporto nacional e no futebol, em particular, eram vistas e discutidas longe da dimensão a que se chegou desta vez, com o vazamento de um áudio em que o treinador Agostinho Tramagal dizia ter recebido valores financeiros para supostamente falsear resultados.

Despoletada antes do arranque do Girabola2023-24, no mês de Setembro, foram (são) igualmente protagonistas da acção os clubes Petro de Luanda, Académica do Lobito, Kabuscorp do Palanca, 1.º de Agosto e o dirigente desportivo Bento Kangamba.

No áudio que abalou Angola, Tramagal, então treinador da Académica do Lobito, afirma ter recebido valores monetários para perder com o Kabuscorp, no jogo das meias-finais da Taça de Angola.

O treinador disse que o Petro pagou kz de 3 milhões à Académica do Lobito para vencer o jogo frente ao 1º de Agosto e para o mesmo desafio, a equipa “militar” tentou aliciar os “lobitangas” para o inverso, com kz 7 milhões, negociação não concretizada.

Na sequência, o Conselho de Disciplina da FAF puniu o Petro, Kabuscorp e a Académica com descida à segunda divisão, suspendeu Bento Kangamba (presidente do Kabuscorp) e Agostinho Tramagal por quatro anos. O 1º de Agosto pagou apenas uma multa pecuniária.

Quando se esperava pelo cumprimento das sanções, o Conselho Jurisdicional considerou procedente uma providência cautelar interposta pelos envolvidos, pelo que até análise definitiva do caso, estão habilitados a participar de qualquer actividade desportiva nacional ou internacional.

Este assunto não é inédito no mundo e muito menos em Angola. O antigo presidente do Recreativo da Caála, Horácio Mosquito, denunciou, em 2015, actos semelhantes no futebol em geral e no Campeonato Nacional, em particular.

Em conferência de imprensa, o responsável desportivo garantiu a existência de provas e que as apresentaria à Procuradoria-Geral da República (PGR), para o devido tratamento jurídico.

Algum tempo depois do gesto “corajoso”, Horácio Mosquito foi suspenso por 30 dias pelo Conselho de Disciplina da Federação, devido aos pronunciamentos na imprensa sobre uma temática, que já não é tanto assim “tabu” em Angola.

Já em Dezembro de 2022, o responsável desportivo acabou por demitir-se do cargo de presidente do Clube Recreativo da Caála, por discordar da forma como se faz futebol no país e a letargia do órgão federativo.

Este assunto (corrupção) remete à narrativa sobre a constituição de um Tribunal Arbitral do Desporto, para permitir que matérias com toda a especificidade que se lhe reconhece sejam avaliadas com o cuidado necessário, de modo a proteger a verdade desportiva.

Infra-estruturas- a continuação do filme

Angola registou crescimento “robusto” em infra-estruturas desportivas, nos últimos 20 anos, numa escalada de ascensão, mas longe dos princípios da boa gestão e do desenvolvimento sustentado.

No entanto, os quatro modernos estádios erguidos no quadro do Campeonato Africano das Nações, decorrido no país em 2010, debatem-se, actualmente, com problemas de gestão e de manutenção.

A evidente incapacidade de gestão destes activos, tem obrigado a sucessivas obras de reabilitação para que se mantenham os padrões internacionalmente recomendados.

O Estádio 11 de Novembro, em Luanda, com capacidade para 50 mil espectadores, é bem exemplo disso mesmo, sendo que recentemente precisou de uma autorização da CAF e da FIFA para voltar a albergar jogos, após mais uma reabilitação.

Tal como o "gigante” erguido na Camama, o país pode orgulhar-se, também, dos estádios de Ombaka, em Benguela, com capacidade para 35 mil espectadores, do Chiazi, em Cabinda (20 mil) e da Tundavala, na Huíla (20 mil), todos com o mesmo problema de gestão e manutenção.

À semelhança do que se faz em realidades mais evoluídas, além das receitas que o próprio futebol pode gerar com a bilhética e das transmissões televisivas, o caminho é a terciarização desses estádios para que se tornem auto-sustentados com acções de negócios.

Em 2023, assistiu-se a contínua degradação dos recintos históricos, como a Cidadela Desportiva e o Campo do São Paulo, cuja condição técnica tem merecido críticas de vários agentes desportivos.

No caso específico do Estádio Nacional da Cidadela, encontra-se praticamente desactivado por causa das fissuras nas bancadas do segundo anel, tornando-o um monstro” abandonado.

Revitalização e construção de novos estádios

Depois da qualificação ao CAN`2024 (seria em 2023, mas transferido pela CAF) e a possibilidade de apuramento para a Copa do Mundo, a modalidade vê um investimento no capítulo das infra-estruturas por via do Orçamento Geral do Estado (OGE).

O Governo de Angola autorizou, para 2024, kz de 100.000.000,00 (kz cem milhões) para a reabilitação do Estádio Nacional Tundavala, na província da Huíla.

O mesmo valor é atribuído para as empreitadas de melhoramento dos estádios 11 de Novembro (Luanda) e Chiazi (Cabinda).

Já as províncias do Uíge e do Huambo beneficiaram de estádios de raiz, com capacidade para dez mil espectadores, avaliados em kz 4.000.000.000,00 (quatro mil milhões de kwanzas) cada um.

Para o desenvolvimento do futebol, no geral, o OGE aprovado na generalidade estipula kz 1.999.726.645, 00 (um mil nove cento e noventa e nove milhões setecentos e vinte e seis mil sescento e quarenta e cinco Kwanzas).

O documento atribui kz 145.157.788,00 (cento e quarenta e cinco milhões cento e cinquenta e sete mil setecentos e oitenta e oito Kwanzas) para o desenvolvimento do desporto feminino, mas não menciona o futebol em particular, vertente que nos últimos anos tem sido aposta de desenvolvimento da CAF e da FIFA.

Neste capítulo das infra-estruturas, o histórico estádio Nacional da Cidadela Desportiva é um caso “esquecido”.

Não sendo mencionado no OGE, permite a narrativa sobre o concurso público a que está sujeito o espaço desde Julho de 2022, para que sirva o desporto com foco na auto-sustentação.

O que irá ocorrer é que o imóvel poderá ser gerido e explorado por ente privado, com vista à redução da dependência excessiva do Orçamento Geral do Estado, por via de concurso público, realizado na modalidade de concessão de gestão e exploração.

O clube Petro Atlético de Luanda surgiu entre os principais candidatos na corrida à gestão do estádio interditado há mais de 20 anos para jogos oficiais, devido ao estado de degradação, fundamentalmente dos pilares de sustentação.

Futebol nacional por dentro

A história do futebol angolano iniciou-se a 1 de Junho de 1977 com a disputa de um jogo amistoso com Cuba, terminado com vitória da Selecção Nacional, por 1- 0, justamente no estádio da Cidadela, com capacidade para 60 mil espectadores.

Nos Palancas Negras pontificavam estrelas como Joaquim Diniz, extremo esquerdo que regressava ao país depois de ter alinhado alguns anos pelo Sporting de Portugal e FC Porto, Daniel Ndunguidi, Osvaldo Saturnino “Jesus”, Napoleão Brandão, entre outros nomes que fizeram história.

Este primeiro desafio do combinado nacional pós independência aconteceu antes mesmo da existência da federação respectiva, que só seria criada dois anos depois, em 1979, passando a membro associado da CAF e da FIFA, em 1980.

A maior prova do país, iniciada em 1979, regista apenas cinco vencedores em 45 edições, tendo o 1.º de Agosto como campeão, somando 13 títulos, na 2.ª posição do palmarés, depois do Petro de Luanda, líder com 17 troféus na galeria.

A primeira vez que a cobiçada taça saiu da capital Luanda foi em 1983, por conta do 1.º de Maio de Benguela, que viria a “bisar” em 1985.

Das equipas fora da capital Luanda, constam ainda o Recreativo do Libolo, que venceu quatro vezes (2011, 2012, 2014 e 2015) e o Sagrada Esperança da Lunda Norte, que levantou o caneco em 2005 e na edição de 2020-2021.

O ASA conquistou o evento em 2002, 2003 e 2004, enquanto o Interclube protagonizou o feito em 2007 e 2010, tal como o Kabuscorp do Palanca em 2013.

No total, apenas o Petro, 1.º de Agosto, Interclube, 1.º de Maio, ASA, Libolo, Sagrada Esperança e Kabuscorp levantaram a principal taça em 48 anos de futebol nacional.

O maior marcador do Campeonato Nacional foi o ponta-de-lança Carlos Alves, que, ao serviço do 1.º de Agosto, marcou 29 golos, um recorde até agora não batido desde 1979.

Até então, chegaram perto disso, todos com 23 tentos cada, apenas Amaral Aleixo, em 1991 (Petro), Flávio Amado, em 2001 (Petro) e Gelson Dala, em 2016 (1.º de Agosto). MC/VM





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