Luanda - África é um continente vasto e diversificado, com uma história rica e complexa, mas, infelizmente, também é palco de alguns dos conflitos mais persistentes e devastadores do mundo, com múltiplas origens, causas e impactos.
Por Catarina da Silva, jornalista da ANGOP
O ano de 2024 não foi diferente, pois o continente continuou a enfrentar uma série de conflitos armados, com profundas consequências humanitárias, alimentados por factores históricos, políticos, económicos e sociais.
Ao longo de décadas, esforços diplomáticos e internacionais têm sido envidados para se fazer face a essas crises cíclicas, mas as soluções continuam difíceis e a paz permanece distante para muitas regiões do continente.
Palcos dos conflitos
Dentre os vários conflitos armados que já ceifaram a vida de inúmeras pessoas, provocaram a deslocação de outras, bem como deixaram rastos de miséria destacam-se o do Sudão, atiçado em 2023.
O conflito despoletou quando uma luta pelo poder entre duas facções militares - o Exército Sudanês - comandado pelo general Abdel Fattah al-Burhan, e o Grupo de Apoio Rápido (RSF), liderado pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, eclodiu num confronto militar aberto.
EsSa guerra civil afecta gravemente a população sudanesa, com milhares de mortos e milhões de deslocados.
O Sudão já havia experimentado uma transição política instável após a queda de Omar al-Bashir, em 2019, altura em que líderes militares e civis passaram a compartilhar o poder, até a ocorrência de outro golpe militar com a dissolução do governo e prisão do primeiro-ministro AbdallaHamdok, em 2021.
Actualmente, observa-se uma luta pelo controlo do país, alimentada por rivalidades étnicas e regionais, com consequências devastadoras para civis. A situação humanitária é crítica, com uma grande parte da população a viver em condições extremas e sem acesso a alimentos, água e cuidados médicos.
Em simultâneo, desencadeiam-se na região de Sahel (Mali, Burkina Faso e Níger) conflitos intensos, envolvendo grupos jihadistas e milícias locais.
A presença de grupos como o Estado Islâmico no Grande Sahara (ISGS) e Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQIM), causam a desestabilização da região, a morte de milhares de civis e o deslocamento forçado de milhões.
A Somália é outro país que continua a ser devastado por uma guerra civil em andamento desde 1991. O principal actor no conflito é o grupo extremista Al-Shabaab, que controla partes do sul e centro do território e está em constante confronto com o Governo somali e as suas forças de segurança, além das Forças de Defesa da União Africana (AMISOM).
Em 2024, o Governo somali, sob a liderança do Presidente Hassan Sheikh Mohamud, tentou fortalecer a sua posição contra o Al-Shabaab, com o apoio de tropas internacionais. No entanto, a situação continua instável, com ataques frequentes em áreas urbanas e rurais, causando mortes e deslocamentos em massa.
Por seu lado, a República Democrática do Congo (RDC) continua a ser afectada por uma série de conflitos armados, particularmente no leste do país, onde vários grupos armados disputam o controlo de recursos naturais e território.
O M23, um dos principais grupos rebeldes da região, tem causado grande instabilidade, e o Governo da RDC tenta conter esses grupos, com o apoio de forças das Nações Unidas (MONUSCO), estas já em fim de missão.
A RDC enfrenta uma grave crise humanitária, com milhões de deslocados internos e uma população vulnerável à violência e à exploração. Além disso, as tensões com o Rwanda, acusado de apoiar o M23, continuam a complicar os esforços para a paz na região, nos quais Angola aparece como mediador, mandatada pela União Africana.
Noutra região, após a queda do regime de Muammar Gaddafi, em 2011, a Líbia caiu numa guerra civil que ainda persiste. A liderança do país é dividida entre facções rivais, com uma luta pelo controlo de recursos e pelo poder político.
O governo da União Nacional (GNA), inicialmente apoiado pela ONU, e as forças do general Khalifa Haftar, que lidera o Exército Nacional Líbio (LNA), têm chocado em várias frentes.
Em 2024, o cenário continuou, com várias milícias e facções a tentar controlar diferentes regiões, incluindo a capital, Tripoli. A falta de um governo central forte e a competição por recursos como petróleo dificultam a pacificação do país, fragmentando-o.
Enquanto isso, não pode ser descurado o conflito no Sudão do Sul, iniciado em 2013, onde o país ainda enfrenta desafios significativos, embora o Acordo de Paz de 2018 tenha trazido uma trégua.
Em 2024, a paz continuou frágil, com tensões étnicas e políticas ainda presentes entre os Dinka e Nuer, os dois principais grupos étnicos. A implementação de reformas políticas e o desarmamento de milícias são questões pendentes que dificultam a estabilidade duradoura.
Origens e causas
Os conflitos em África têm raízes profundas na história do continente, dentre elas a luta pelas independências e a construção de nações pós-coloniais.
Após a independência, muitos países africanos enfrentaram dificuldades para construir instituições políticas estáveis e eficazes. A falta de governação efectiva, a corrupção, a ausência de infra-estruturas e a fragilidade das instituições democráticas são factores que alimentam a instabilidade política e podem levar a conflitos.
Em alguns casos, golpes de Estado se tornaram comuns, como no Sudão, na Somália e em várias partes da África Ocidental.
O continente africano é rico em recursos naturais, mas esses recursos muitas vezes tornam-se motivos de discórdia, com grupos armados e governos que lutam pelo controlo de minas, petróleo, diamantes e outros recursos valiosos.
Segundo dados recolhidos, o conflito na RDC, por exemplo, tem sido, em parte, alimentado pela luta pelo controlo de minerais essenciais para a indústria global. A exploração indevida dos recursos naturais também é frequentemente associada a abusos dos direitos humanos e à degradação ambiental.
Dentre as causas, não menos importantes, acrescenta-se a colonização europeia no final do século XIX e início do século XX, que teve um impacto profundo nas estruturas sociais e políticas de África.
A divisão arbitrária das fronteiras africanas pelos colonizadores - sem levar em consideração as etnias, tribos e culturas locais - criou estados artificiais que frequentemente englobavam grupos rivais ou excluíam outros.
Esse legado de fronteiras desenhadas sem a consulta das populações locais gerou uma série de tensões entre etnias e conflitos após a independência dos países africanos.
Muitos conflitos em África são potenciados por rivalidades entre diferentes grupos étnicos e tribais. A competição por recursos, poder e representação política entre grupos étnicos pode levar a confrontos violentos.
Um exemplo clássico é o genocídio no Rwanda, em 1994, onde tensões étnicas entre os hutus e os tutsis resultaram num conflito devastador que fez mais de 800 mil mortos.
Diplomacia internacional
A diplomacia internacional tem se desdobrado em tentativas de resolução dos conflitos em África. Diversos actores, tanto locais quanto globais, envidam esforços para encontrar soluções pacíficas e promover a estabilidade no continente.
A União Africana (UA), fundada em 2002, sucessora da Organização da Unidade Africana (OUA), tem se envolvido activamente em várias missões de paz, como na Somália, no Sudão do Sul e no Sudão, e têm buscado promover a paz e a segurança por meio de mediadores, sanções e missões de manutenção de paz.
A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) é uma outra organização que tem desempenhado um papel importante na resolução de conflitos na África Ocidental, muitas vezes intervindo em golpes de Estado e disputas internas.
A organização tem um braço militar denominado Força de Intervenção Militar da CEDEAO (ECOMOG), que foi usada em vários conflitos, como na Libéria e na Serra Leoa.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem várias missões de manutenção de paz em África, incluindo a Missão das Nações Unidas em Darfur (UNAMID) e a Missão Multidimensional Integrada da ONU para a Estabilização no Mali (MINUSMA).
Em muitas situações, os conflitos africanos são prolongados por milícias armadas e grupos rebeldes. A desmobilização e a reintegração de ex-combatentes na sociedade são passos cruciais para a construção da paz.
Programas de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) têm sido implementados em vários países, com apoio internacional.
O subdesenvolvimento e a desigualdade social são factores que atraem os conflitos, pelo que investir no desenvolvimento económico e na redução das desigualdades sociais pode ajudar a prevenir conflitos e criar um ambiente mais estável.
O Futuro
Embora o continente enfrente desafios significativos, existem sinais de esperança. Muitos países africanos, como Rwanda, Ghana e Botswana, têm mostrado progressos notáveis em termos de estabilidade política e crescimento económico.
Embora os conflitos em África sejam complexos e multifacetados, há várias abordagens que podem ajudar na busca por soluções duradouras, podendo citar-se a diplomacia regional e internacional, o reforço das instituições democráticas e da boa governança, bem como o desarmamento e reintegração de combatentes.
Um outro aspecto a ter em conta é a estabilidade política, que é crucial para uma paz duradoura. O fortalecimento das instituições democráticas, a promoção da transparência e a luta contra a corrupção são fundamentais para prevenir a instabilidade e a violência.
A participação activa da sociedade civil e a promoção de direitos humanos são passos importantes para a construção de sociedades mais resilientes.
Além disso, a crescente integração económica regional, através de iniciativas como a Área de Comércio Livre Continental Africana pode ajudar a promover o desenvolvimento e reduzir as tensões. O aumento da participação da sociedade civil e o fortalecimento das instituições democráticas oferecem oportunidades para uma governança mais inclusiva e transparente.
Em última análise, o futuro da África depende da capacidade de seus países e da comunidade internacional de trabalhar juntos para enfrentar os desafios estruturais que perpetuam os conflitos e construir um continente mais pacífico e próspero. CS/JM/ADR