Nairobi -Pelo menos 219 execuções extrajudiciais ou desaparecimentos forçados às mãos da polícia no Quénia foram documentados em 2021 pela plataforma de organizações de direitos humanos queniana Missing Voices, segundo o seu terceiro relatório anual, apresentado quarta-feira.
Desde que a aliança de 15 organizações não-governamentais (ONG) tem vindo a recolher dados, 2021 foi o ano mais mortífero de violência policial no país, tendo sido registadas pelo menos 187 mortes extrajudiciais (incluindo a descoberta de quatro corpos mais de 24 horas após a entrada sob custódia policial).
A plataforma documentou também 32 desaparecimentos forçados de pessoas cujos corpos foram devolvidos em dois casos, mas os restantes 30 permanecem desaparecidos.
Segundo o relatório, a grande maioria das pessoas afectadas eram homens jovens ou de meia-idade, e nove mulheres.
No total, nos últimos três anos, a plataforma documentou a morte ou desaparecimento às mãos da polícia queniana de mais de 530 pessoas, somando 145 em 2019 e 168 em 2020.
De acordo com o documento, intitulado "Justiça atrasada", não só o sistema judicial queniano é lento na resolução destes casos, como também existem "lacunas" na aplicação da lei que deixam as vítimas e as suas testemunhas indefesas.
É o caso da Lei de Protecção de Testemunhas, por exemplo, que só entra em vigor quando o julgamento tiver começado, mesmo que as pessoas afectadas precisassem dele mais cedo e, por outro lado, não pode ser aplicada se a polícia apresentar acusações contra a testemunha em questão, mesmo que estas possam ser falsas.
Outro obstáculo para as vítimas de violência policial obterem justiça é que alguns regulamentos ainda não estão operacionais, como a Lei do Serviço Nacional de Médicos Forenses, segundo a qual a investigação das mortes e o exame dos cadáveres deve recair sobre estes profissionais.
Contudo, actualmente, as próprias forças de segurança realizam este trabalho, investigando-se a si próprias, o que "mina o resultado justo de um julgamento", denuncia o relatório.
Sobre os atrasos nos processos judiciais, a Missing Voices sublinha que "enfraquecem os casos porque (...) quanto mais tempo dura um julgamento, mais as testemunhas esquecem os detalhes-chave" e a defesa "poderia usar discrepâncias para minar o caso".
A plataforma documentou apenas 27 casos de agentes policiais condenados por tal violência desde 2016, e em 12 deles demorou entre 6 e 11 anos antes da sentença.
"Atrasos nas audiências e determinação dos casos em que os agentes da polícia são suspeitos de homicídios ilegais estão a fazer fracassar a justiça", disse Irungu Houghton, director executivo da Amnistia Internacional no Quénia, uma das organizações da Missing Voices.
Como solução, a Missing Voices apela a uma reforma legislativa para assegurar que a chamada Autoridade de Supervisão Policial Independente (IPOA), organismo criado para supervisionar as forças de segurança, tenha plenos poderes para investigar estes casos sem sobreposição com a própria polícia.
A plataforma também exige processos judiciais mais rápidos e um orçamento mais elevado para a protecção de testemunhas e para a aplicação da lei.