Addis Abeba - O exército eritreu vai retirar-se do estado de Tigray, no norte da Etiópia, onde entrou em Novembro, aliado às forças federais etíopes, anunciou hoje o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, após uma reunião com o Presidente da Eritreia.
Durante meses, as autoridades de Asmara e Addis Abeba negaram a presença de forças eritreias em Tigray, embora isto tenha sido amplamente noticiado pela população daquele estado etíope, por trabalhadores humanitários, diplomatas e mesmo por alguns funcionários civis e militares etíopes.
As tropas eritreias, mas também o exército etíope, foram acusadas de pilhagem, massacres e violações em todo o estado do Tigray.
Abiy Ahmed, Prémio Nobel em 2019, lançou uma intervenção militar em 04 de novembro para derrubar a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF), o partido eleito e no poder no estado, e declarou a vitória a 28 de novembro, ainda que os combates continuem.
Esta terça-feira, o primeiro-ministro etíope admitiu pela primeira vez no parlamento etíope que as tropas eritreias estavam presentes em solo tigray. Em seguida, Abiy Ahmed visitou a capital da Eritreia, Asmara, na quinta-feira.
"Nas minhas discussões de 26 de março com o Presidente [eritreu] Issaias Afeworki durante a minha visita a Asmara, o Governo eritreu concordou em retirar as suas forças para lá das fronteiras da Etiópia", anunciou hoje Abiy Ahmed, numa declaração publicada na rede social Twitter.
Abiy Ahmed alegou que o lançamento de morteiros pelas forças estaduais comandadas pela TPLF sobre a capital eritreia tinha levado "o Governo da Eritreia a atravessar a fronteira com a Etiópia, para evitar novos ataques e salvaguardar a sua segurança nacional".
Contactado pela agência France Presse, o ministro da Informação eritreu, Yemane Gebremeskel, não reagiu ao anúncio de Abiy Ahmed esta manhã.
A Etiópia e a Eritreia entraram em conflito entre 1998 e 2000 durante uma sangrenta guerra de fronteiras, num período em que TPLF dominava o poder federal na Etiópia.
Os dois países aproximaram-se com a chegada ao poder Abiy Ahmed em 2018, mas a Eritreia e a TPLF mantiveram-se inimigas.
De acordo com o primeiro-ministro etíope, as tropas eritreias tomaram o controlo de áreas em Tigray próximas da fronteira entre os dois países.
Mas grupos de direitos humanos e a população de Tigray descreveram uma presença eritreia como muito mais profusa.
A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch acusam o exército de Asmara de matar centenas de tigray num massacre no final de Novembro na cidade de Aksum.
A Comissão Etíope dos Direitos Humanos, um organismo independente mas filiado no Governo, anunciou esta quarta-feira ter "reunido provas da morte de mais de 100 vítimas" por eritreus naquela cidade sagrada do norte de Tigray.
Outro massacre, alegadamente perpetrado em novembro pelas tropas eritreias na cidade de Dengolat, foi documentado pela AFP.
Durante uma visita este mês à cidade de Wukro, testemunhos locais recolhidos pela agência de notícias francesa garantiram que soldados eritreus se mantêm presentes, por vezes vestidos com uniformes etíopes.
Estas tropas são também suspeitas de terem atacado campos que albergam dezenas de milhares de refugiados eritreus. A ONU anunciou hoje que visitou dois desses campos, Shimelba e Hitsats, e descobriu que estão "totalmente destruídos".
Numa reacção ao anúncio de Abiy Ahmed, um partido da oposição em Tigray, Salsay Weyane Tigray, disse já que qualquer acordo sobre a retirada da Eritreia é "inútil" sem a presença de "um organismo regulador internacional para verificar".
"Este é outro nível de engano, um jogo que eles jogam há muito tempo", afirmou Hailu Kebede, um responsável do partido, através do Twitter.
"Retirar todas as forças e criar uma equipa internacional de observação. O mundo não deve ser enganado de novo", escreveu.
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, apelou no final de Fevereiro à retirada dos eritreus, bem como das forças estaduais de Amhara, estado etíope com fronteiras com o Tigray, que também desempenharam um papel fundamental na invasão do estado etíope insurgente iniciada no início de Novembro.
O conflito já deslocou quase um milhão de pessoas. As autoridades locais estimam que cerca de 950.000 pessoas fugiram dos combates e perseguições, principalmente do Tigray ocidental, mas também das regiões noroeste e central da região.
O Tigray é palco de combates desde 04 de Novembro de 2020, data em que o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o exército etíope para desalojar a Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF), o partido eleito, que então governava o estado etíope no norte da Etiópia, e que vinha há vários meses a desafiar a autoridade de Addis Abeba, através de várias decisões, incluindo a realização de eleições no estado, que foram adiadas no resto do país, alegadamente, por causa da pandemia.
Abiy justificou a operação militar como resposta a um ataque prévio das forças estaduais do Tigray a uma base do exército federal.
Addis Abeba declarou vitória a 28 de Novembro, mas a grande maioria dos líderes estaduais, pertencentes à TPLF, que o Governo federal quer desarmar e prender, estão em fuga e prometeram continuar a lutar.