Túnis - O presidente da Tunísia, Kais Saied, exonerou hoje o ministro da Defesa e o ministro interino da Justiça, um dia depois de suspender a actividade do Parlamento, demitir o primeiro-ministro, Hichem Mechichi, e atribuir a si plenos poderes executivos no domingo.
Num comunicado divulgado hoje, a presidência da República anunciou as destituições de Ibrahim Bartaji, ministro da Defesa, e de Hasna Ben Slimane, que era porta-voz do Governo e ministro interino da Justiça. Ao mesmo tempo, apoiantes e opositores do presidente protestavam do lado de fora do parlamento.
A sede do poder legislativo foi hoje cercado por tropas, que bloquearam a entrada de manifestantes e dos políticos depostos na noite anterior. Legisladores e apoiantes do partido Ennahdha - que tem maioria no Congresso - e manifestantes favoráveis ao presidente gritaram uns com os outros e alguns atiraram pedras. Relatos fotográficos mostram que houve feridos.
A decisão do presidente foi comemorada por grupos que se manifestaram durante o domingo, que saíram pelas ruas de diversas cidades, mas críticos - dentre os quais representantes do Ennahdha, o acusam de ter dado um golpe de Estado.
Saied afirma que agiu de acordo com a lei ao tomar as últimas decisões. "A Constituição não me permite dissolver o Parlamento, mas sim suspender a sua actividade", disse Saied, que tomou a decisão com base no Artigo 80 da Constituição, que permite que este tipo de medida seja adoptada frente à um perigo iminente.
"Tomei as decisões que a situação exige para salvar a Tunísia, o Estado e o povo tunisinos", afirmou o presidente após se reunir com autoridades das forças de segurança. "Estamos em momentos muito delicados na história da Tunísia." Saied anunciou que assumirá o Poder Executivo com a ajuda do governo e nomeará um novo primeiro-ministro. Além disso, suspendeu a imunidade parlamentar dos deputados.
Entretanto, Rached Ghannouchi, que chefia o partido islâmico que domina o Parlamento, disse que o presidente não o consultou nem o primeiro-ministro conforme exigido pela lei. Ghannouchi, que é presidente da Câmara, tentou entrar no Parlamento, mas a polícia e as forças militares que guardavam o local o impediram.
Aliados estrangeiros do país norte-africano expressaram preocupação de que a sua jovem democracia possa estar a cair novamente na autocracia. Numa acção que certamente alimentará essas preocupações, a polícia fez uma batida nos escritórios da emissora Al Jazeera e ordenou o seu encerramento.
A Tunísia, que deu início à Primavera Árabe em 2011 quando protestos levaram ao derrube de Zine El Abidine Ben Ali, que governou o país por quase 24 anos, é frequentemente considerada a única história de sucesso dessas revoltas. Mas a democracia não trouxe prosperidade: a economia da Tunísia já estava a cair antes da pandemia chegar, com 18% de desemprego, e jovens exigindo empregos e o fim da brutalidade policial protestaram em grande número no início deste ano.
O Governo anunciou recentemente cortes nos subsídios para alimentos e combustíveis ao buscar o seu quarto empréstimo do Fundo Monetário Internacional numa década, alimentando a raiva em regiões empobrecidas. A pandemia apenas agravou esses problemas, e o governo recentemente impôs bloqueios e outras restrições em face de um dos piores surtos de África.
Furiosos com o mal-estar económico e o tratamento inadequado da pandemia, milhares de manifestantes desafiaram as restrições do vírus e o calor escaldante na capital, Túnis, e em outras cidades no domingo para exigir a dissolução do parlamento. A grande multidão de jovens gritou "Saiam!" e slogans pedindo eleições antecipadas e também pressionaram por reformas económicas.