Luanda – A 25 de Maio de 1963, 32 Estados africanos reuniram-se em Addis Abeba, Etiópia, para criar a Organização de Unidade Africana (OUA), uma instituição inter-governamental, dissolvida a 09 de Julho de 2002, em Durban (África do Sul), para dar lugar à União Africana (UA), depois de cumprir, com nobreza, um dos pressupostos da sua criação, a erradicação do fenómeno colonialista do continente.
Por: João Gomes Gonçalves / Jornalista da ANGOP
O acto acontece depois da negociação dos pontos de vista divergentes sobre a África, nomeadamente do grupo de Casablanca, liderado pelo então Presidente Kwamé Nkrumah, do Ghana, e o de Monróvia, encabeçado pelo seu
contemporâneo Presidente do Senegal, Léopold Sédar Senghor.
O grupo de Casablanca defendia a criação urgente dos Estados Unidos de África, ao passo que o de Monróvia era a favor da institucionalização de uma organização inter-estatal, com Estados soberanos, mantendo o formato das
fronteiras herdadas do colonialismo.
Durante as negociações que decorreram de 22 a 25 de Maio do referido ano, vingou a posição do grupo de Monróvia, tornando a OUA num instrumento de cooperação, e não de integração, entre os Estados.
Isso só foi possível depois de um discurso persuasivo pronunciado pelo Presidente da Argélia, Ben Bella, que tinha acabado de arrancar a independência do seu país, a 03 de Julho de 1962, na sequência de uma guerra sangrenta com
a França, que durou sete anos, para convencer os seus colegas que defendiam
duas visões opostas.
A Carta constitutiva da OUA foi escrita pelos então Presidentes do Mali, Modibo Keita, e do Togo, Sylvanus Olympio, tendo sido ratificada por 30 países, na ausência do Chefe de Estado togolês, que acabara de ser derrubado e
assassinado, pouco depois da reunião, por elementos pró-franceses, nomeadamente Gnassingbé Eyadéma (chefe do estado-maior) e Nicolas Grunitzky (que viria a ser o novo Presidente). Estes desenvolvimentos
levaram o Presidente tanzaniano Julius Nyerere a apelar ao não reconhecimento
do novo regime togolês.
Naquela reunião, Nkrumah propunha Bangui (RCA) para a capital africana, por estar no coração do continente. À ideia de Nkruma, Nyerere contrapôs sugerindo Addis Abeba, argumentando que esta seria a ideal, por a Etiópia nunca ter sido
colonizada, o que foi aceite por consenso, fazendo do Imperador Hailé Sélassié o primeiro presidente rotativo da nova organização continental.
Os principais objectivos da OUA eram a erradicação dos vestígios do colonialismo e do regime do apartheid, em África (artigo II), promover a unidade e a solidariedade entre os Estados africanos, coordenar e intensificar a cooperação
para o desenvolvimento, salvaguardar a soberania e a integridade territorial dos Estados membros e promover a cooperação internacional. No mesmo ano, a OUA cria, em Dar-Es-Salam, Tanzânia, o Comité de Libertação da OUA, que viria a apoiar o combate contra o colonialismo, a supremacia da minoria branca na
Namíbia, na África do Sul e no Zimbabwe.
A OUA passou a utilizar a ONU como tribuna para defender a causa dos povos daqueles países, assistindo-os política e materialmente, através dos movimentos independentistas como o ANC, a SWAPO, e a Frente Patriótica (ZAPU-ZANU).
No início da década de 90, os restantes países africanos tornaram-se independentes, excepto o Sahara Ocidental, que até hoje é ocupado por Marrocos, um dos membros fundadores da OUA.
Por causa dos conflitos que começaram a surgir, com reivindicações mútuas sobre as fronteiras herdadas do colonialismo, como foi o badalado caso que opôs o Benin ao Níger, na 2ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da OUA, realizada no Cairo, a 21 de Julho de 1964, foi introduzida, na carta da Organização, sob proposta de Julius Nyerere, a questão da intangibilidade das fronteiras legadas pelo colonialismo.
Sublinhe-se, ainda, que um dos conflitos fronteiriços, que também ameaçou a estabilidade da África, foi o que opôs a Líbia ao Chade, relativamente à Banda de Aouzou, na região setentrional deste.
Reivindicada pela Líbia, a partir de 1973, ela foi devolvida ao Chade, em 1994.
Saliente-se que, por várias vezes, os Estados africanos divergiam sobre os temas de interesse do continente, influenciados pelo contexto da guerra fria que vigorava desde 1949, entre os Estados Unidos e a Antiga União Soviética,
provocando um certo imobilismo (bloqueio) da OUA, quando se tratasse de tomar decisões nos vários domínios.
Quanto à integração económica, fontes do Wikipédia sugerem que a OUA deveria dotar-se, num prazo de 30 anos, de um mercado comum africano, de um Parlamento e de um Banco Central.
De acordo com o site da UA, o Plano de Acção de Lagos, adoptado na Cimeira de Abril de 1980, recomendou aos agrupamentos regionais a impulsionarem o desenvolvimento económico de África e a auto-suficiência alimentar, mas sem sucesso.
Em Junho de 1991, o Plano de Acção de Lagos foi substituído pelo Tratado de Abuja, que instituiu um Fundo Monetário Africano.
Conforme indica o Wikipédia, em termos de integração económica, o objectivo era caracterizado pela excessiva ambição dos projectos, tendo em conta os fracos meios disponíveis, o que levou ao seu insucesso.
Relativamente à promoção dos direitos humanos e a democracia, o mesmo site
escreve que a OUA adoptou, em 1981, uma “Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos”, já ratificada pela quase totalidade dos Estados.
Porém, o seu mecanismo de controlo continuou muito limitado, uma vez que a comissão encarregue do seu funcionamento apenas elaborava relatórios, muitas vezes confidenciais, dirigidos às conferências de Chefes de Estado e de Governo, que tinham a última palavra.
Além disso, a OUA foi abalada por vários golpes de Estado, protagonizados com ou sem a influencia das antigas potências coloniais.
Foram vitimas de tais golpes 17, Presidentes fundadores da instituição, nomeadamente, Sylvano Olimpio, do Togo (1963), Kwamé Nkrumah, do Ghana (1966), Ahmed Bem Bella, Argélia, (1965), Nnamdi Azikwe, Nigéria (1966),
Joseph Kasavubu, RDC (1965), Modibo Keita, Mali (1968) e Maurice Yameogo, Mali (1966).
A lista inclui David Dacko, RCA (1966), Hamani Diri, Níger (1974), Edward Muteesa, Uganda (1966), Aden Abdullah Osman Daar, Somália (1969), Hailé Selassié, Etiopia (1974), Habib Burguiba, Tunísia (1987), Rei Mwambutsha IV,
Burundi (1966), Gregoire Kaybanda, Rwanda (1973) e Fulbert Youlou, Congo-Brazzaville (1963).
Da Organização de Unidade Africana a União Africana
Em 09 de Setembro de 1999, em Syrte (Líbia), os chefes de Estado e de Governo da OUA assinaram a “Declaração de Syrte”, apelando à criação de uma União Africana, visando a aceleração do processo de integração continental, que
permitisse ao continente jogar o seu papel legítimo na economia mundial e, ao mesmo tempo, enfrentar os vários problemas sociais, económicos e políticos cada vez mais complexos, à medida que se foi tomando em conta alguns
aspectos negativos da globalização.
Em 2000, quando se preparava a transição da OUA para a UA, foi lançada a Nova Parceria Económica para o Desenvolvimento da África (NEPAD), uma fusão de dois outros planos propostos para o continente, nomeadamente o Plano Ómega e o Plano Africano do Milénio (PAM).
O objectivo da sua criação era o de cobrir o imenso atraso de África em termos de desenvolvimento na cena internacional.
A NEPAD era dirigida pelo Comité de Orientação, composto pelos cinco Chefes de Estado e de Governo (HSGOC) fundadores, nomeadamente África do Sul, Argélia, Egipto, Nigéria e Senegal, mais um membro eleito rotativamente de entre 15 países das cinco regiões da União Africana.
A UA foi oficialmente lançada a 09 de Julho de 2002, em Durban, África do Sul, conforme as recomendações da Cimeira dos Chefes de Estado organizada em Lomé (Togo), a 11 de Julho de 2001.
Na altura, Antoine Glaser, jornalista e especialista para os assuntos africanos, escrevia: “Temo que na arena internacional, a União Africana seja utilizada para servir os interesses das grandes potências.”
Conselho de Paz e Segurança: que resultados?
Um ano depois do lançamento da UA, a 10 de Julho de 2003, por ocasião da 2ª Cimeira, em Maputo (Moçambique), foram instaladas algumas instituições, entre as quais o Parlamento Africano da Comissão da União Africano, o Parlamento Panafricano e o Conselho de Paz e Segurança (CPS).
O CPS é o orgão de decisão permanente da UA para a prevenção, gestão e resolução de conflitos, um sistema de segurança comum e de alerta rápido, que permite uma reacção rápida e eficaz das instituições de conflito e de crise em
África, sendo, igualmente, o pilar central da Arquitectura Africana de Paz e Segurança (APSA).
Trata-se de um quadro de promoção da paz, segurança e estabilidade em África, cujo protocolo relativo à criação foi adoptado no mesmo dia do lançamento da UA, entrando em vigor em Dezembro de 2003, e tornando-se operacional no
inicio de 2004.
Paradoxalmente, as dinâmicas belicistas continuaram a desestabilizar grandes partes de África.
O mapa dos conflitos e os focos de tensões aumentaram, as bolsas do fundamentalismo islâmico radical multiplicaram-se e a violência política continua a disseminar-se, relegando a quase nulo o empenho do Conselho de Paz e
Seguraça da instituição inter-governamental africana.
A partir de 2011, ano da morte do líder Líbio, Mouhammar Kadhafi, numa operação da OTAN mandatada pelas Nações Unidas, países como Tunísia, Argélia, Egipto, Líbia, Mali, Nigéria, Camarões, Chade, Níger, Somália e Quénia foram vítimas de actos terroristas.
O Leste da República Democrática do Congo (RDC) e o Norte de Moçambique têm sido alvos de constantes ataques de grupos radicais, que declararam lealdade ao Al Shabab e ao Estado Islâmico (EI). Tudo isso prova que o continente berço está a tornar-se numa placa giratória do terrorismo transnacional, incentivado pelo salafismo Wahabita à procura de
estatura internacional.
A proliferação dos extremismos que ignoram e desprezam as fronteiras representa um desafio para a União Africana.
Os esforços desenvolvidos pela UA para preservar a paz, a segurança e a estabilidade do continente, chocam com a evolução hipertrofiada da ameaça terrorista.
Ao avanço sem precedentes dos jihadistas, que atemorizam os aparelhos de segurança dos Estados, opõem-se as debilidades dos mecanismos criados pela UA, para conter a ameaça terrorista a nível regional e internacional.
Recorde-se que os chefes de Estado e de Governo, durante a cimeira da UA, de Setembro de 2002, em Argel (Argélia), aprovaram a Convenção de Argel e o seu Plano de Acção, com o lançamento do Centro Africano de Estudo e Pesquisa
sobre o Terrorismo (CAERT).
O CAERT, com uma rede de 47 pontos focais e sete pontos focais regionais, actua como uma estrutura de centralização das informações, dos estudos e das análises sobre o terrorismo, e visa desenvolver programas de reforço da
capacidade, em matéria de combate ao terrorista, dos Estados membros da UA.
“Infelizmente, as diferentes resoluções adoptadas pela UA dificilmente se traduzem em actos concretos. Reunimo-nos sempre, falamos e escrevemos muito, mas não agimos em conformidade”, desabafou, na altura, o então
Presidente do Chade, Idriss Déby Itno, perante os seus colegas, por causa da incapacidade dos instrumentos adoptados pela UA, para prevenir e combater o terrorismo.
Os Ideais da Agenda 2063 da União Africana
Na sua solene declaração, feita em 2013, por ocasião do 50º aniversário da antiga OUA, os chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA) reafirmaram o seu engajamento com vista ao desenvolvimento acelerado do
continente.
De acordo com o “Thinking Africa”, os líderes africanos comprometeram-se também a incluir tais objectivos nos seus planos nacionais de desenvolvimento e na elaboração da Agenda Continental 2063, através de um processo
direccionado aos povos, com vista a realização da visão da UA para uma África centrada nas pessoas, próspera, integrada e em paz com ela mesma.
Conforme a mesma declaração, a Comissão da União Africana (CUA), em estreita colaboração com a Agência de Coordenação da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD) e apoiada pelo Banco Africano de
Desenvolvimento (BAD) e pela Comissão Económica da ONU para a África (CEA), engajou-se no processo de definição de uma Agenda Continental para os próximos 50 anos.
O objectivo dessa agenda é definir, para os próximos 50 anos, uma trajectória de crescimento para a África, tendo em conta as experiências dos últimos cinquenta anos.
Tida como uma estratégia global para optimizar a utilização dos recursos africanos em benefício de todos os seus filhos, a Agenda 2063 tem como prioridade o seguinte:
- Ligar as capitais africanas e os centros comerciais através de uma rede de comboios de grande velocidade, facilitar a prestação de serviços e das pessoas, reduzir os custos dos transportes e descongestionar os sistemas actuais e
futuros, através de uma crescente conectividade ferroviária;
- Transformar a África, de fornecedora a transformadora de matérias-primas, permitindo aos países um valor acrescentado, extrair rendas mais elevadas dos produtos de base, integrar-se nas cadeias de valores mundiais, favorecendo, assim, a diversificação, com base nos valores acrescentados e no
desenvolvimento do conteúdo local;
- Acelerar o comércio inter-africano e reforçar a posição comercial de África no mercado mundial, reforçando a voz comum do continente e o seu espaço político nas negociações mundiais;
- Promover a conectividade intra-regional entre as capitais africanas, criando um mercado único e unificado do transporte aéreo em África, na qualidade de motor de integração e de crescimento económico do continente.
Ainda na visão da UA sobre a Agenda 2063, a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), com um mercado de 1.2 mil milhões de pessoas, representando um Produto Interno Bruto (PIB) de 2.5 mil milhões de dólares,
deve ser um vector de integração económica e política.
De acordo com a Comissão Económica para a África (CEA), a instalação da ZCLCA pode intensificar o comércio inter-africano em 52,3%, eliminando os direitos aduaneiros de importação e duplicá-los, se os obstáculos não tarifários
forem reduzidos.
Sendo igualmente a ZCLCA um mercado potencialmente forte, as projecções indicam que no horizonte 2050, a África contará com 2.5 mil milhões de pessoas, verá a sua economia crescer duas vezes mais, comparativamente às
economias dos países ditos desenvolvidos.
A Zona de Comércio Livre Continental Africana
A decisão do lançamento do projecto da Zona de Livre Comércio (ZCLCA) foi tomada em Janeiro de 2012, durante a 18ª Cimeira Ordinária da UA, cuja criação foi aprazada para 2017, mas o processo de negociação iniciou em Junho de
2015, em Joanesburgo, durante a 25ª Sessão Ordinária dos Chefes de Estado.
De acordo com a revista internacional “Actualité”, de Janeiro de 2021, a instituição, liderada pelo sul-africano Wamkele Mene e cuja sede está em Accra (Ghana), foi lançada simbolicamente em Niamey (Níger), a 07 de Julho
de 2019, na presença de quatro mil e 500 delegados e convidados, dos quais 32 Chefes de Estado e mais de 100 ministros.
O projecto, que entrou em vigor a 01 de Janeiro de 2021, tem por ambição dinamizar as trocas intra-africanas e reforçar o desenvolvimento económico à escala continental, indica o jornal, revelando que dos 54 países membros, 34 já
ratificaram o acordo, e 41 iniciaram o desmantelamento tarifário das mercadorias de importação.
Um dos principais objectivos é o de suprimir 90% dos direitos aduaneiros dentro de cinco anos, para as economias mais avançadas, e dez anos para as restantes, sublinha a revista mensal africana.
Além de considerar os interesses nacionais, muitas vezes divergentes no seio do grupo, um dos maiores desafios da ZCLCA tem a ver com a sua capacidade de desenvolver infraestruturas logísticas capazes de responder aos fluxos
comerciais intra-africanos em grandes escalas.
Frederick S. Pardee, do Centro de Estudos Internacionais do Futuro da Universidade de Denver, Estados Unidos da América, na sua análise intitulada “Condições para o êxito na instalação da ZCLCA”, escreve que a ratificação do
acordo testemunha uma vontade política geral dos dirigentes africanos de fazer progredir o comércio e o desenvolvimento do continente.
Todavia, alerta, o seu êxito dependerá de vários factores interdependentes, mormente a votante dos dirigentes de cada Estado membro de passar para a etapa seguinte e aplicar o acordo, a capacidade e a aptitude para coordenar e
harmonizar as políticas comerciais entre os Estados, as regiões e o Mundo, bem como eliminar todos os obstáculos ao comércio, para a boa governação e o desenvolvimento das infraestruturas.
Ainda sobre as infraestruturas, Pierre Jacquemot, na tribuna que publicou a 18 de Abril de 2019, intitulada “A Zona de Comercio Livre Continental (ZCLCA) da União Africana, Oito Desafios a Enfrentar”, revela que a África apenas conta com
84 mil quilómetros de vias-férreas, numa superfície de cerca de 30 milhões de quilómetros quadrados, ao contrário da China que conta com 67.092 quilómetros, em 9,3 milhões de quilómetros quadrados.
“A maioria dos portos africanos padecem de infraestruturas medíocres, de uma capacidade e de uma conectividade insuficientes entre as estradas e as vias-férreas que ligam os portos”, sublinha.
O estudioso da África exemplifica que o transporte de mercadorias entre Douala (Camarões) e N’Djamena (Chade) custa seis vezes mais caro do que entre Shanghai e Douala, e leva três vezes mais tempo.
Na sua perspectiva, os desafios dos transportes terrestres e marítimos são muito grandes para os 15 países africanos encravados e mais pobres do Mundo, e que representam 24% da população africana.
Considera caros e de menos frequências os transportes aéreos, por causa do fraco tráfego de passageiros, da limitada liberalização do espaço aéreo, das elevadas taxas sobre os passageiros e aeroportos, dos problemas de segurança
e da insuficiência de infraestruturas aeroportuária, bem como de assistência técnica.
Enfim, o estudioso das questões africanas sugere que África deve libertar-se dos “velhos demónios da colonização, impedindo que os europeus ajam livremente nas suas antigas colónias e zonas de influência, permitindo a persistência dos reflexos coloniais.
“Uma resposta comum da Europa vis-à-vis a um actor unificado como a União Africana, abriria o caminho à trocas de igual para igual, salvaguardadas, tanto pela identidade africana, como pelos valores da União europeia”, escreve.
Incidência da Covid-19 nos países membros da União Africana
Em África, embora a incidência da doença seja diferente de país para país, os Estados mais conectados como Marrocos, Egipto ou a África do Sul, foram os mais atingidos pela pandemia.
Mas, no seu conjunto, a capacidade real de os africanos lidarem com a doença foi maior. Entre os factores avançados para explicar essa performance estão, entre outros, a pirâmide das idades, com os argumentos segundo os quais, na
África sub-sahariana, as pessoas com menos de 15 anos representam mais de
40% da população.
No entanto, um estudo do Banco Mundial (BM), publicado em 2020, naquele ano os efeitos da Covid-19 teriam repercussões consideráveis nas economias africanas, mesmo que a crise sanitária fosse menos aguda do que no Mundo em geral, o que veio a acontecer.
A região registou a sua primeira recessão económica nos últimos 25 anos, tendo as perdas de produção sido estimadas entre 37 e 79 mil milhões de dólares americanos.
As perturbações nas trocas comerciais e nas cadeias de abastecimento, bem como a baixa na procura, particularmente da parte do principal parceiro comercial da África, a China, afectaram o crescimento e reduziram os investimentos.
Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento
De acordo com a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD – sigla em Inglês), naquele ano, as exportações africanas de mercadorias caíram 17%, diminuindo as receitas fiscais e a capacidade dos governos manterem as despesas públicas e investirem nas políticas visando estimular a industrialização que sofreu pesadas perdas, com destaque nos sectores de automóveis, aviação, energia e produtos de base.
Segundo um inquérito da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), vários responsáveis africanos já esperavam que em 2020 as receitas industriais globais caíssem pelo menos 25%.
As recentes mutações nas variantes sul-africana, inglesa, indiana e brasileira têmpreocupado a OMS, particularmente os países africanos, por causa do seu grau de infecção.
Em Março último, um boletim estatístico sobre a doença, publicado em França, revelou que os dados colhidos até aquele mês indicavam que em toda a África a Sul do Sahara, a Covid-19 teve um maior impacto sobre os meios de
subsistência, a segurança alimentar e o capital humano.
Para o mesmo boletim, as perdas de emprego foram massivas, em particular nas zonas urbanas, principalmente para as trabalhadoras.
As medidas de confinamento impostas na maior parte dos países perturbaram, de forma severa, a actividade económica e, apesar de alguns sinais de recuperação, o emprego continuou abaixo dos níveis anteriores à pandemia. As outras fontes de receitas também baixaram drasticamente.
Por exemplo, cita, no Gabão, no Sudão do Sul, no Malawi, no Uganda, no Mali, no Madagáscar e na Zâmbia, as receitas diminuíram mais de 70% nas empresas familiares, sublinhando o facto de no Quénia, na Nigéria e na Etiópia, pelo menos
uma em cada três empresas familiares terem encerrado as portas, no início da
pandemia.
A actividade agrícola baixou, por causa da pouca procura dos produtos, tendo, ainda, como consequência, o encerramento dos mercados semanais, devido às restrições ligadas ao transporte e à circulação de pessoas e bens, indica o boletim.
À escala global, o impacto económico da pandemia ocasionou também uma queda dos fluxos de fundos que atingiu, nomeadamente, o Mali, a Nigéria, o Uganda, o Burquina Faso, o Malawi, a Zâmbia e o Quénia.
O boletim francês aponta como consequência da baixa das receitas a redução do
consumo.
Assim, as famílias foram forçadas a reduzir o seu consumo variado de bens, em cerca de 1/10, no Mali e na Zâmbia, de 4/10 no Quénia, e de mais de 8/10 em Kinshasa (RDC).
Para cobrir as necessidades de base, os lares mais ricos recorrem à venda de activos, bem como à utilização das suas poupanças, mas, essas estratégias podem ter efeitos negativos a longo prazo sobre as oportunidades de receitas.
De igual modo, a insegurança alimentar aumentou consideravelmente em relação a 2019, triplicando na Nigéria, Etiópia, Uganda e no Malawi.
No Malawi, na Nigéria, no Quénia, na África do Sul e na Serra Leoa, em mais de metade dos lares faltou alimentos nos 30 adias que precederam o inquérito, tendo os lares urbanos sido afectados de forma desproporcional.
Em toda a região, o encerramento das escolas agravou o problema, limitando o acesso das crianças aos programas de merenda escolar.
Nos países estudados, o acesso à educação foi severamente afectado pela Covid-19. As escolas foram substituídas pelas actividades de aprendizagem à distância, tais como a leitura dos manuais ou escuta de programas radiofónicos
educativos.
Porém, de acordo ainda com o estudo, a adopção de tais soluções variava consideravelmente, com 9/10 crianças engajadas nas actividades de aprendizagem no Burkina Faso e 6/10 na Nigéria, contra apenas 3/10 no Mali, e
menos de 2/10 no Malawi.
Na maioria dos países, os filhos das famílias rurais ou pobres foram os mais afectados pelo encerramento das escolas, por causa do acesso restrito à Internet.
O choque induz um aumento de despesas públicas na saúde e de apoio à actividade económica, conduzindo a uma duplicação dos défices orçamentais.
Assim, a dívida africana cresceu, atingindo cerca de 70% do PIB em dólares e ultrapassou os 100% do PIB para pelo menos sete países.
A moratória do G-20 sobre a dívida, decidida em Abril de 2020, é uma grande ajuda aos países africanos, mas ainda insuficiente.
Em Janeiro de 2021, a directora da Organização Mundial da Saúde para a África, Matshidiso Moeti, aconselhou os governos africanos tomarem medidas urgentes, visando oferecer vacinas contra a doença às populações.
Segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (Africa CDC), a agência especializada da UA, a tswanesa Matshidiso Moeti manifestou-se preocupada com a descoberta de várias variantes do vírus no continente.
"Descobrir novas variantes não é surpreendente, mas algumas dessas mudanças podem ser preocupantes”, disse.
Foi com base nisso que a UA anunciou, no mesmo mês, ter conseguido 270 milhões de doses de vacinas anti-Covid-19, para a maioria dos países que não conseguem financiar a imunização das suas populações.
Enquanto isso, a pandemia continua a ser um choque económico e social sem precedente para a África, tanto para os países exportadores de matérias-primas, como Angola, Argélia, África do Sul, Nigéria e RDC, como para os exportadores
de produtos manufacturados e serviços turísticos como o Egipto, Marrocos, Quénia e Tunísia.
De acordo com o mesmo documento, a população africana mais desfavorecida é que é afectada pela pandemia, por causa da redução da acumulação do seu capital humano e da sua pequena perspectiva de mobilidade económica.
A esse respeito, um resumo da revista “OECD Library” sobre o impacto da Covid-19 em Africa, intitulado “Dinâmicas do desenvolvimento na África de 2021:
Transformação digital e qualidade do emprego”, escreve que uma suspensão da dívida e, em certos casos, uma reestruturação da dela, são necessárias, a fim de se conseguir os recursos indispensáveis à realização das ambições da
Agenda 2063.
BREVE CRONOLOGIA DA FUNDAÇÃO DA OUA
- Maio de 1957 - Bartelemy Boganda, pai da independência da RCA funda os Estados Unidos da África Latina (États-Unis de l’Afrique Latine, em francês), uma iniciativa criticada pelo Presidente do Congo-Brazzaville, Fulbert Youlou, e que fracassa, após a morte do seu criador.
- Maio de 1961 - Grupo de Monróvia ou Bloco de Monróvia (uma associação informal de Estados africanos de curta duração, com uma visão compartilhada do futuro da África e do Panafricanismo). Os seus membros, entre outros, o Senegal, a Nigéria, a Cote d’Ivoire e os Camarões, defendiam que os Estados independentes deveriam cooperar e viver em harmonia, mas sem federação política e integração profunda. Promoveram o nacionalismo, um credo segundo o
qual, cada nação da África devia ser autónoma.
- 1961 - Primeira reunião do grupo de Casablanca, com alguns dos seus mais importantes dirigentes, tais como Gamal Nasser (Egipto), Kwame Nkrumah (Ghana), Modibo Keita (Mali) e Ahmed Sekou Touré (Guiné-Conakry). Defendiam
a necessidade de uma unidade política para a África, mormente a criação de uma federação de Estados a nível do continente.
Para eles, uma integração forte, como a União europeia, permitiria a África libertar-se das amarras do colonialismo, estabelecer a paz, promover o diálogo inter-cultural, desenvolver a influência geopolítica do continente e iniciar o
desenvolvimento económico.
Por outras palavras, defendiam a transferência do poder dos governos nacionais a entidades panafricanas supra-nacionais.
Por exemplo, Kwame Nkrumah era pela formação de um Exército panafricano susceptível de ser desdobrado contra os colonizadores ou minorias brancas que dominavam o continente berço.
Durante a negociação que, de 22 a 25 de Maio, visando a criação da instituição, o pensamento do grupo de Monróvia vingou sobre o de Casablanca, levando a criação da Organização de Unidade Africana (OUA), uma entidade
intergovernamental, e não os Estados Unidos da Africa, com o objectivo de combater o colonialismo, o que foi feito.