Pretória - A secretária-geral da Amnistia Internacional (AI), Agnès Callamard, alertou hoje para "desigualdades significativas" na África do Sul, agravadas pela pandemia de covid-19, considerando que no ensino público foi negado a uma geração "completa" a oportunidade de um futuro melhor.
"Aqui na África do Sul, o número de abandono escolar aumentou de 230.000 para 750.000, representando toda uma geração completa de crianças a quem foi negado um futuro melhor", salientou a responsável da organização não-governamental (ONG), na apresentação das principais conclusões do relatório anual "O Estado dos Direitos Humanos no Mundo" em 2021/22.
Na sua primeira viagem à África do Sul como secretária-geral da AI, a activista de direitos humanos apontou ainda que os incidentes de violência de género "aumentaram drasticamente" no país.
Segundo a ONG, mais de 5 milhões de pessoas na África do Sul não tem acesso a água e saneamento adequados, após cerca de três décadas de governação do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), no poder desde 1994.
"Empresas estrangeiras foram alvo de ataques xenófobos e imigrantes indocumentados foram excluídos da vacina contra a covid-19", refere-se também no documento divulgado hoje em Joanesburgo, a capital económica do país.
"As forças de segurança continuaram a usar força excessiva contra os manifestantes pacíficos e centenas de pessoas morreram em resultado da acção policial", apontou.
Na óptica da Amnistia Internacional, os violentos tumultos que eclodiram em Julho do ano passado nas províncias sul-africanas de Gauteng - onde se situa as cidades de Joanesburgo e Pretória, a capital do país -, após a prisão do ex-presidente Jacob Zuma, resultando na morte de pelo menos 360 pessoas, "agravou ainda mais as desigualdades" na sociedade sul-africana.
No panorama internacional, no ano passado surgiram evidências da cumplicidade da África do Sul em crimes de guerra no Iémen, segundo a ONG de defesa dos direitos humanos.
Questionada pela Lusa, à margem da conferência de imprensa, sobre a posição de Pretória sobre a invasão russa da Ucrânia, Agnès Callamard referiu: "Eu temo que quando as pessoas usam a noção de solução pacífica como Cyril Ramaphosa fez algumas semanas atrás, ele quis dizer neutralidade".
"Em minha opinião, não se pode ser neutro quando confrontado com esse nível de violações, seja em Cabo Delgado ou na Ucrânia ou na Etiópia, a neutralidade não é uma opção porque as pessoas estão a morrer, porque o sistema internacional que já é tão debilitado, está a ser fragilizado pela inacção", considerou.
"Não se constrói uma paz sustentável com impunidade", afirmou à Lusa.
Agnès Callamard salientou ainda aos jornalistas que a crise na Ucrânia "é importante para relembrar que há outros conflitos em curso, como na Etiópia e em Moçambique, onde existem violações de direitos humanos".
"Neste momento não confio nos governos para nos retirarem do abismo que enfrentamos", frisou a responsável da Amnistia Internacional.